Semana de Biologia da Unesp reúne acadêmicos e comunidade de São Vicente

Debates incluíram temas como pesca, poluição, turismo, acidentes com tubarões, preservação de espécies, praias, mangues e ecossistema marinho

A 3ª edição da Semana de Biologia Marinha e Gerenciamento Costeiro, congresso anual promovido pelos alunos do Campus de São Vicente da Unesp (CSV) entre os dias 29 de agosto e 2 de setembro, teve público recorde, com 500 participantes e superou o número de visitantes dos encontros anteriores.

A programação foi ampliada com a apresentação de resumos de trabalhos científicos e atividades com a criação de oficinas para a comunidade local. Os temas surgiram a partir de debates realizados no CSV e incluíram 15 minicursos, 30 palestras direcionadas para o público acadêmico, duas mesas-redondas com especialistas brasileiros e estrangeiros, cinco oficinas artístico-culturais, festas de abertura e encerramento, com shows de rock, reggae e maracatu.

Além da comunidade acadêmica, participaram do encontro a comunidade litorânea e representantes de empresas, ONGs e de prefeituras da Baixada Santista. Na pauta, a pesca, o turismo, os transportes marítimos, a poluição oceânica, os ataques de tubarões, a contaminação da areia das praias, o tratamento de resíduos domésticos e industriais, a ocupação irregular do solo, a preservação de mananciais, manguezais e de espécies ameaçadas de extinção: aves, caranguejos, tartarugas e tubarões.

A população local teve a oportunidade de participar de oficinas culturais e de capacitação nas áreas de saúde pública, preservação ambiental na zona costeira, balneabilidade (uso recreativo das praias), reciclagem de materiais, reaproveitamento de garrafas PET, artesanato, desenhos e produção de brinquedos.

Cursos para a população

Fruto da paixão da aluna Cristal Coelho Gomes pela arte, foi criada uma oficina para as crianças de São Vicente. No evento, a universitária ensinou que qualquer pessoa consegue desenhar, desde que tenha incentivo e persistência. “O traço e o estilo surgem aos poucos. Na Unesp, a partir de fotos, comecei a reproduzir espécies marinhas – o resultado tem sido bastante satisfatório. No treinamento, mostrei alguns trabalhos bonitos e fáceis de fazer”, conta.

A professora Ana Júlia Fernandes de Oliveira supervisionou o encontro e conta que foi realizado simultaneamente em dois locais: no campus e no centro de convenções municipal, cedido pela prefeitura. “Todos os anos, o congresso é uma excelente oportunidade para professores e alunos reciclarem conhecimentos, trocarem informações com colegas de outros Estados e países e ampliar a rede de contato, fundamental para o desenvolvimento de qualquer pesquisa”, observa.

Allan Lima Ferreira, aluno do quarto ano e integrante da comissão organizadora, diz que o evento mobilizou quase a totalidade do campus. Obteve o apoio da prefeitura e patrocínio da Petrobras, SOS Computadores e Agência Costeira. O universitário explica que, a partir da década de 80, o País começou a estudar e valorizar mais o seu litoral, de 8,5 mil quilômetros de extensão e densidade demográfica de 87 habitantes por quilômetro quadrado, índice cinco vezes superior à média de ocupação do território nacional.

Também foram debatidas questões estratégicas na área de gestão costeira com propostas de soluções harmônicas entre os agentes sociais comprometidos na porção oceânica, como a Marinha, empresas de transportes, de pesca e turismo e gestores públicos. No dia 30, o pesquisador Daniel Suman, da Universidade de Miami, especialista em gerenciamento costeiro, relatou para a plateia como está sendo conduzida sua experiência no litoral de Santa Catarina. Destacou temas relevantes como responsabilidade social para os agentes sociais presentes na costa brasileira.

Mangue ameaçado

O professor Marcelo Pinheiro, coordenador-executivo do CSV, informa que são oferecidas 40 vagas no curso de Biologia, com duas habilitações: Gerenciamento Costeiro e Biologia Marinha. No último vestibular, a procura chegou a 25 candidatos por vaga. O CSV tem 19 docentes contratados em regime de dedicação exclusiva. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) investiu R$ 1,5 milhão e a primeira turma se formará em 2006.

Marcelo é responsável por uma das quatro linhas de pesquisa patrocinadas pela Fundação no CSV: a preservação e o manejo do caranguejo-uçá, espécie de grande importância econômica em várias regiões brasileiras, em especial Norte e Nordeste. O animal é o mais comum no mangue e a principal fonte de alimento para outras espécies e comunidades ribeirinhas.

O manguezal é fundamental para a reprodução de muitas espécies marinhas. A presença do caranguejo-uçá é um indicador de nutrientes e de vida no ecossistema. O bicho come folhas que caíram das árvores e, nas tocas, acelera a decomposição da matéria orgânica presente no mangue. Seus resíduos sustentam outras espécies. “A redução das populações do crustáceo é reflexo da destruição dos manguezais e da pesca predatória”, justifica o aluno de doutorado Ronaldo Christofoletti, um dos pesquisadores.

O caranguejo-uçá também é objeto de estudo do doutorando Gustavo Hattori, que, com Ronaldo, ministrou um minicurso. O estudo da equipe da Unesp começou em 1998 e o pesquisador detalha que, na natureza, o crustáceo demora nove anos para atingir a idade adulta.

O grupo do CSV desenvolve trabalho de conscientização dos pescadores, de modo a preservar animais em fase de crescimento e fêmeas prenhes, principalmente na época de reprodução, nos meses de dezembro a março. Os dados foram obtidos num estudo realizado durante seis meses em mangues da ilha Coroa do Saco, próxima à Barra de Icapara, município de Iguape, litoral sul do Estado.

A ilha foi dividida em oito regiões e mapeadas por satélite. Na pesquisa, foram considerados o número de indivíduos das populações de caranguejo-uçá e comparados com 35 parâmetros ambientais. O resultado desse trabalho foi apresentado ao Centro de Pesquisa e Extensão Pesqueiras do Sul (Cepsul), de Itajaí (SC), órgão do Ibama. Suas diretrizes nortearam a promulgação de portaria nacional, pioneira no tema, que definiu as regras para a exploração sustentada do animal nos manguezais.

O sistema é conhecido por gestão participativa e abrange pesquisadores, gestores públicos, donos de restaurantes, representantes de cooperativas de pescadores e as equipes do Ibama e da Polícia Florestal. “É possível conciliar diferentes interesses, seja o da indústria da pesca e do turismo e até a sobrevivência das populações ribeirinhas. O trabalho está em fase de conclusão e os participantes estão bem mais conscientes sobre a necessidade da preservação”, analisa o professor Marcelo.


Ataques de tubarões versus destruição do seu habitat

Otto Fazzano Gadig é professor de zoologia de vertebrados do campus de São Vicente da Unesp e especialista em tubarões. Desde 1996 coordena o Projeto Cação, estudo de taxonomia (identificação) das espécies que habitam a costa brasileira. O levantamento identificou hábitos alimentares, reprodutivos e o tamanho das populações, apresentados no evento numa palestra e um minicurso.

O professor Otto afirma que as causas dos ataques contra surfistas são consequência da diminuição da oferta de alimento e da destruição do habitat oceânico. Ocorrem na maioria das vezes em locais poluídos e pouco iluminados. “Apesar de ser malvisto pelas pessoas, o tubarão tem função primordial no ecossistema marinho e sua presença é primordial para o equilíbrio da cadeia alimentar“, observa.

Estão catalogadas 450 espécies diferentes no planeta, contudo, as mais agressivas são o cabeça-chata e o tigre, nas áreas tropicais, e o branco, em águas frias. Além dessas, outras seis são responsáveis por ocorrências e acidentes, porém, de menor gravidade. “O número de imprevistos é pequeno, mas os ataques são amplamente divulgados na mídia”, assegura.

Segundo o pesquisador, a construção do Porto de Suape, em Recife (PE), é exemplo de como a destruição de sistemas marinhos traz problemas à sociedade, como as investidas contra surfistas e mergulhadores. O risco maior é a queda da quantidade de tubarões, pois muitas espécies estão sob ameaça de extinção.


Tartaruga marinha: longevidade e sabedoria

A bióloga Paulin Antar, do Instituto de Oceanografia da USP, lotou o auditório na apresentação de sua palestra. Especialista em tartarugas marinhas e integrante do Projeto Tamar, argumentou que esses répteis exercem grande atração nas pessoas e têm sua imagem associada à longevidade e à sabedoria. Trata-se de um fascínio diferente do que se costuma sentir em relação aos golfinhos e às baleias que habitam somente o oceano.

As tartarugas desovam na praia e fazem parte da alimentação, cultura e folclore da população caiçara. São cinco as espécies que habitam a costa brasileira – todas ameaçadas de extinção.

Na Baixada Santista, a maior incidência é das variedades cabeçuda e verde e em menor proporção, a pente. “Na escala evolutiva, esse réptil transformou-se pouco e é muito bem adaptado ao seu meio. Começa a se reproduzir aos 40 anos e pode viver até 200. De cada mil filhotes, somente um ou dois chegam à idade adulta”, calcula Paulin.


Preservação da Amazônia Azul

Simultaneamente ao evento do CSV, o público teve a oportunidade de conhecer, no Centro de Exposição de São Vicente, a mostra itinerante da Marinha, coordenada pelo capitão-de-mar-e-guerra Jorge Camillo.

No local, o visitante observou pesquisas da Comissão Interministerial para Recursos do Mar, nas bases militares instaladas no arquipélago de São Pedro e São Paulo (a 1,1 mil quilômetros do litoral do Rio Grande do Norte) e na Antártida. A exposição revela o trabalho de monitoramento oceanográfico e o estudo de aspectos climáticos, de temperatura e pressão atmosférica.

O destaque é a manutenção da soberania nacional na região conhecida como Amazônia Azul, porção oceânica de território com 4,5 milhões de quilômetros quadrados: começa na costa brasileira e se estende por 200 milhas náuticas (400 quilômetros) depois do continente. Com ela, o País amplia em mais de 50% sua extensão territorial.

“A Marinha estima existirem nove vezes mais riquezas para serem exploradas na Amazônia Azul do que na continental. É uma zona econômica de uso exclusivo do Brasil, que detém o direito de exploração dos recursos vivos (pesca, flora, fauna, turismo, mergulho), minerais (ferro) e do subsolo (petróleo e gás)”, analisa.

O capitão Camillo informa que o Brasil pleiteia na ONU a posse definitiva e a extensão dos limites da Amazônia Azul para além das Ilhas São Pedro e São Paulo, localizadas na metade da distância entre a América e a África. Dessa forma, o País ganharia mais 900 mil quilômetros quadrados e teria presença hegemônica no Oceano Atlântico.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 13/09/2005. (PDF)