Pesquisadores da Unesp de Araraquara têm novas perspectivas para Mal de Alzheimer

Extrato de árvore da Mata Atlântica fornece matéria-prima para substância com a propriedade de impedir queda na produção de acetilcolina

Um composto produzido por estudiosos da Universidade Estadual Paulista (Unesp) poderá atenuar os efeitos do Mal de Alzheimer, doença que acomete 1,5 milhão de brasileiros. O estudo foi realizado pelos pesquisadores do Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais (NuBBe), do Instituto de Química da Unesp de Araraquara, sob a coordenação da professora Vanderlan da Silva Bolzani.

A novidade é resultado do trabalho de bioprospecção, iniciado em 2001, que analisou 1,3 mil extratos (raízes, sementes, folhas, frutos) de espécies vegetais nativas da Mata Atlântica e isolou 200 substâncias ativas. Foram selecionadas 30 variedades consideradas promissoras, por conterem propriedades analgésica, anti-inflamatória, antitumoral, bactericida, antifúngica e antioxidante.

A partir de substância extraída de folhas, flores e frutos da Cássia-do-nordeste (Senna spectabilis) – árvore presente nos estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul –, os especialistas descobriram um derivado da espectalina – substância que tem similaridade estrutural com a acetilcolina, neurotransmissor humano, cuja função é propagar o impulso nervoso. A acetilcolina, produzida pelo organismo, atua nos mecanismos cerebrais de memória recente e tem sua produção diminuída progressivamente entre os doentes de Alzheimer.

Registro internacional

O químico Cláudio Viegas Júnior, integrante do grupo de sete pesquisadores comprometidos com o trabalho, explica que o passo seguinte foi modificar a estrutura da espectalina em laboratório. O objetivo era potencializar as propriedades terapêuticas do extrato vegetal, abrindo novas perspectivas para o controle de doenças degenerativas da memória e do aprendizado.

Os resultados obtidos foram animadores e os derivados da espectalina mostraram ser menos tóxicos que as outras quatro substâncias existentes no mercado, todas importadas, utilizadas para combater a doença.

Assim, o processo de transformação da substância foi patenteado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em 2003. No ano passado, o registro foi estendido internacionalmente, para todos os países signatários do Patent Cooperation Treaty (PCT). Depois da descoberta, a empresa Apsen Farmacêutica tornou-se parceira da pesquisa.

“A patente foi requerida para evitar o risco da biopirataria e para assegurar a cessão de uso pela indústria farmacêutica, que não investiria recursos para fabricar uma fórmula de domínio público. Além disso, a planta e seus produtos isolados sozinhos não são ativos. O segredo, que foi protegido, é o processo de fabricação desse derivado, e a promessa é ter no mercado brasileiro e internacional, em poucos anos, um medicamento de origem nacional com grande apelo comercial”, explica Viegas.

Etapas de desenvolvimento

O estudo teve investimento de R$ 1,1 milhão da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do governo federal, e contou com o auxílio de quatro pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): Carlos Alberto Manssour Fraga e Eliézer Barreiro, do Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas; e Newton Castro e Mônica Rocha, do Departamento de Farmacologia.

O médico e farmacologista Newton Castro informa que, para um novo medicamento chegar às prateleiras das farmácias, precisa antes passar por vários testes pré-clínicos. O primeiro inclui o isolamento da nova droga e testes com roedores; em seguida, com outros animais, como macaco e cachorro; depois de assegurada a eficácia e a segurança nestes exames, finalmente são realizados ensaios com seres humanos. Na fase final, são analisadas a toxicidade e o estudo de efeitos colaterais e adversos.

Também são observadas as formas mais eficazes de utilização (creme, injeção, comprimido) e considerados mecanismos para garantir que o medicamento atue no local desejado no organismo. Com relação ao derivado da espectalina, o ideal é que aja no sistema nervoso central.

Biota-Fapesp

A pesquisa com extratos vegetais é parte do Programa Biota-Fapesp, atividade de caráter interdisciplinar que congrega diversas instituições de pesquisa com o objetivo de mapear e catalogar as espécies nativas da fauna e flora dos biomas paulistas, como o cerrado e a Mata Atlântica. Para produzir a espectalina, explica Viegas, a extração não prejudica a árvore. Os oito exemplares utilizados forneceram 50 quilos da matéria-prima necessária para os ensaios, que resultaram em 250 gramas de espectalina, quantidade suficiente para a pesquisa.


Doença tem causa desconhecida

Descrita pela primeira vez em 1906 pelo médico alemão Alois Alzheimer (1864-1915), a doença homônima se caracteriza pelo acúmulo de placas e fibras no tecido do cérebro. Embora não se conheça sua causa, sabe-se que a idade é um fator importante – o número de pessoas afetadas dobra a cada cinco anos depois dos 65.

Estima-se que 1,5 milhão de brasileiros sofram do mal, que ainda não tem cura, embora haja tratamento. “Com o aumento da longevidade e a diminuição da taxa de mortalidade, o Alzheimer está se tornando mais frequente, a ponto de ser considerado a doença do século 21”, diz a farmacêutica Vanderlan da Silva Bolzani, coordenadora do estudo e professora do Instituto de Química da Unesp.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 17/09/2005. (PDF)