Novas tecnologias a seu dispor

IPT celebra 112 anos inaugurando, até o fim do ano, na capital, o Laboratório de Bionanotecnologia; em 2012 será entregue o de Estruturas Leves em São José dos Campos

O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) celebrou 112 anos de fundação no dia 24 de junho. Criado em 1899, o instituto surgiu com o objetivo de avaliar a qualidade de materiais empregados nas áreas de construção civil e produção mecânica. Hoje, é referência internacional em metrologia e parceiro de órgãos públicos e empresas privadas em projetos de inovação, pesquisa, desenvolvimento e educação.

Vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia (SDECT), o IPT atua como elo multidisciplinar entre universidades e centros de pesquisas com diversos setores produtivos brasileiros. O serviço inclui desenvolver soluções tecnológicas e melhorar processos para pequenos e médios empresários, de modo a fortalecer o empreendedorismo no Estado e no País.

O IPT também é parceiro de setores industriais de grande porte, como petróleo, mineração, naval, aeronáutica, siderurgia, medicamentos, cosméticos, engenharias, construção civil, têxtil, florestal, química, geração de energia, biocombustíveis e livros didáticos.

O trabalho do órgão é realizado por 12 centros de pesquisa, 30 laboratórios, dez seções técnicas e núcleo de atendimento tecnológico à micro e pequena empresas. O quadro funcional integra mil pesquisadores, 275 profissionais administrativos e 160 estagiários e bolsistas. A sede fica na Cidade Universitária, zona oeste da capital, e o instituto possui filiais em Franca e São José dos Campos, interior paulista.

Aplicações

Muitos brasileiros não sabem, mas o resultado do trabalho do IPT está presente em muitas situações cotidianas. A lista de tarefas é extensa. Inclui analisar consumo de energia e ruído de eletrodomésticos, participar de etapas do desenvolvimento de remédios, conferir a qualidade de roupas e tecidos. E, também, as características de materiais empregados na construção civil, avaliar o impacto ambiental de obras do Metrô e do Rodoanel, o risco de quedas de árvores nas cidades e testar radares de trânsito usados para controle de velocidade em ruas e rodovias.

A proposta do IPT é atender a sociedade brasileira em oportunidades para o País, como a descoberta das reservas de petróleo e pré-sal e o pioneirismo na produção de etanol. Para suprir a essas demandas, desde 2008 o Governo estadual investiu R$ 150 milhões no IPT.

O recurso está sendo usado para modernizar o instituto, com a contratação nos últimos três anos de novos profissionais concursados e requalificação dos atuais. O dinheiro também foi empregado para reformar e ampliar as instalações existentes. Desse total, R$ 46 milhões foram direcionados para a construção, na sede do órgão, do Laboratório de Bionanotecnologia, previsto para ser entregue até o final do ano.

Soluções sustentáveis

A bionanotecnologia é área de pesquisa promissora, capaz de manipular materiais milhares de vezes menores que a espessura de um fio de cabelo. Tradicionalmente, uma partícula recebe o prefixo “nano” caso tenha entre um e 100 nanômetros, aproximadamente 0,01% do diâmetro de um fio de cabelo. Hoje, estima-se em 600 o número de produtos que contêm nanomateriais disponíveis no mercado mundial.

O Laboratório de Bionanotecnologia do IPT estudará o desenvolvimento de organismos vivos, tecnologia de partículas (microencapsulação de componentes químicos e terapia medicinal, como em cosméticos), micromanufatura de equipamentos e metrologia.

Uma das propostas do instituto é privilegiar a busca de soluções sustentáveis. Para isso, uma de suas inovações recentes foi o bioplástico degradável. Diferente do produto à base de petróleo, que demora séculos para se decompor no meio ambiente, o bioplástico vira “comida” de bactéria em seis meses, sem poluir. E pode ser produzido a partir de restos de frutas das fábricas de suco ou bagaço de cana das usinas de álcool.

Corrida tecnológica

Outra novidade é o Laboratório de Estruturas Leves (LEL), previsto para ser concluído em 2012. Orçado em R$ 90,5 milhões, o LEL será instalado em São José dos Campos. A meta é ajudar empresas brasileiras a desenvolver novas tecnologias no setor aeroespacial, como, por exemplo, criar materiais capazes de reduzir o peso de componentes das aeronaves para, assim, torná-las mais competitivas no cenário internacional.

No projeto do LEL, o Governo paulista tem como parceiros a prefeitura local, BNDES, Embraer, Fapesp, Finep, Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), USP, Unicamp, Unesp, Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE).

Outro projeto em andamento é de uma planta de gaseificação de biomassa, em Piracicaba. A meta é conseguir produzir etanol de segunda geração a partir do bagaço de cana, atualmente aplicado na queima para a geração de energia.

Com a gaseificação, a expectativa é dobrar a produtividade das usinas canavieiras sem aumentar a atual área plantada. Esse projeto também marca a posição do IPT e do País em uma corrida tecnológica mundial, já que a gaseificação, com bagaço, carvão ou outra biomassa ainda está por ser dominada.

Novos desafios

Segundo João Fernando Gomes de Oliveira, diretor-presidente do IPT, os próximos passos do instituto são conseguir equilíbrio harmônico entre produzir conhecimento, aplicá-lo e vender serviços. Para Oliveira, são três os desafios para o desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro – e todos representam novas oportunidades e necessidades.

O primeiro é uma imposição socioambiental, baseada na necessidade de se desenvolver tecnologias em prol da sustentabilidade. Assim, as pesquisas do IPT continuarão tentando despoluir rios e áreas degradadas, criar matérias biodegradáveis e energias renováveis (solar e da biomassa) e estruturar veículos e peças com materiais mais leves.

Um exemplo é o projeto da Embraer de criar em conjunto com o IPT um avião revestido 100% por compósito (mistura de fibra de carbono com polímero). “Por ser mais leve, a aceleração é mais rápida com menor gasto de energia. Além disso, o material é renovável e mais resistente do que o alumínio”, explica João.

Outra meta inclui explorar o recurso da luz solar, com projetos de células de silício, e obter mais eficiência com a biomassa abundante no campo. “Com as tecnologias futuras, será possível reaproveitar o bagaço de cana disponível no Estado de São Paulo e gerar eletricidade anual equivalente à produzida pela Usina de Itaipu (12 gigawats anuais)”, observou.

O segundo desafio consiste em aproveitar as oportunidades disponíveis, como o pré-sal. “Esta riqueza mineral dependerá de muita pesquisa para ser obtida – e também tornar viável e rentável a exploração. O IPT apoiará a Petrobras e sua cadeia de fornecedores no projeto, que requer perfurações em grandes profundidades marinhas, até 7 quilômetros abaixo do nível da superfície”, analisa.

O último desafio do IPT será aproveitar a oportunidade induzida pelo desenvolvimento da ciência, como a bionanotecnologia. O objetivo do novo ramo é incorporar novas funcionalidades nos materiais, a partir de mudanças em suas propriedades e composição.

As possibilidades da bionanotecnologia são infinitas e é possível agregar novas características do ponto de vista químico, mecânico, térmica, biológico, elétrico, etc. Uma das promessas é a de produzir um medicamento sob medida para cada organismo e, também, controlar seu princípio ativo de modo de só agir em condições especiais, evitando efeitos colaterais conhecidos das drogas atuais.


Serviços especializados do IPT

Tanque naval – O tanque naval do IPT é o maior da América Latina. Tem cerca de três quarteirões de extensão e é usado para simular em laboratório o comportamento de embarcações em água fluvial e alto-mar, para ajustes na fabricação de navios e equipamentos.

Fraturamento hidráulico – O fraturador hidráulico do IPT é usado para aprimorar equipamentos e definir metodologias para medição de tensões em rochas. Atende às engenharias civil, de minas e de petróleo e tem usos na construção de obras subterrâneas em rochas de qualquer natureza. O dispositivo foi usado na construção dos trechos subterrâneos da Rodovia dos Imigrantes, Rodoanel e Metrô. Também tem utilidade em túneis de pressão para geração de energia e em barragens (fundações e ombreiras) e cavernas.

Recursos hídricos – O instituto dispõe de um grupo multidisciplinar de 20 pesquisadores que acompanham 160 projetos relacionados às diversas bacias hidrográficas paulistas. Uma das ações é elaborar os planos delas, ou seja, identificar quem são os consumidores da água (setores municipal, agrícola e industrial) e verificar suas demandas. A tarefa inclui analisar demografia, qualidade das águas, monitoramento de chuvas, situação da vegetação, destinação do lixo urbano e poluição agrícola, entre outras demandas.

Segurança contra fogo – O serviço do IPT oferece diagnósticos das condições do setor de combate a incêndios no País e avalia as condições do combate ao fogo nas áreas urbana, rural e indústria petroquímica.

Livros didáticos – O instituto mantém três projetos ligados à qualidade dos livros do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). O serviço federal distribui esses materiais para alunos da rede pública nos 27 Estados brasileiros. Atende ao ensino fundamental, médio e de jovens e adultos e consiste em averiguar se a qualidade das publicações está de acordo com as especificadas em lei.

Siderurgia e etanol – Há 20 anos pesquisa a área de materiais metálicos fundidos resistentes a desgaste. O trabalho é realizado em parceria com o Laboratório de Fenômenos de Superfície, da Escola Politécnica (Poli-USP). Com relação ao etanol, o IPT pesquisa tecnologias para favorecer a exportação do etanol. A atividade verifica o grau de corrosão do biocombustível e rendeu metodologias de ensaio, aproximando as condições do laboratório com as verificadas na prática. O objetivo no futuro é estender o serviço.


Parceiro de empresas públicas e privadas

Em 1894, um grupo de engenheiros, liderados por Antonio Francisco de Paula Souza, fundou a Escola Politécnica de São Paulo. Para atender às crescentes demandas de ensaios de materiais de construção e às necessidades do curso, alguns professores criaram, em 1899, o Gabinete de Resistência de Materiais, que se tornaria o núcleo básico do que viria a ser o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

No início do século 20 o instituto pesquisou materiais para a construção civil e ajudou o empresariado paulista a instalar estradas de ferro e hidrelétricas. Até hoje, o órgão preserva amostras de concreto da época – e seria possível contar parte da história das construções civis brasileiras por meio delas.

Durante a Revolução Constitucionalista de 1932, o IPT orientou os paulistas sobre como fabricar morteiros, granadas, capacetes, carros de combate e trem blindado. Entre 1934 e 1946, desenvolveu produtos de madeira que tiveram larga utilização industrial, aplicando-os também na construção de aviões de treinamento e planadores. Em 1940 foi encarregado dos estudos para as fundações do complexo da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda (RJ).

O mesmo aconteceu com a produção de armas durante a Segunda Guerra Mundial. Nesse caso, o IPT forneceu assistência direta às oficinas bélicas nacionais. Devido à escassez de gasolina, os técnicos do instituto adaptaram os motores dos carros para o gasogênio.

Na década de 1940, cresceu e ampliou suas tarefas e colaborou com grandes obras de engenharia do País. Entre elas, destacam-se a construção das rodovias Anchieta, Anhanguera, Rio-Petrópolis e Dutra, e a ampliação dos portos de Santos, Rio de Janeiro e São Sebastião.

No mesmo ritmo, em meados de 1950, o IPT participou da construção das hidrelétricas paulistas de Paranapanema, Jurumirim, Chavantes, Limoeiro, Euclides da Cunha, Jupiá, Ilha Solteira e da usina de Paulo Afonso (BA).

Nos anos 1970 ajudou a construir a Linha Norte-Sul do Metrô paulistano e nos anos 1980 prestou assistência técnica na Rodovia dos Imigrantes e nas hidrelétricas de Sobradinho (BA) e Itaipu (PR).

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 28/06/2011. (PDF)

 

Produção de biocombustível aproxima Estados de São Paulo e da Califórnia

Meta conjunta é reduzir emissão de poluentes e estimular o uso de fontes de energia renováveis

Os Estados da Califórnia (EUA) e de São Paulo iniciaram nesta semana nova fase de relacionamento na área de biocombustíveis. Em encontro realizado na Câmara Americana do Comércio (Amcham), em São Paulo, representantes dos dois Estados apresentaram números relativos à pesquisa e à produção de energias renováveis, em especial do álcool (etanol) e do biodiesel. Também debateram políticas públicas brasileiras de incentivo à produção e as barreiras comerciais impostas à circulação internacional desses produtos.

O seminário abre espaço para o compartilhamento de tecnologias. A meta conjunta é reduzir a emissão de poluentes e aprimorar e estimular o uso das fontes renováveis de energia. O interesse dos 20 empresários e representantes do governador Arnold Schwarzenegger é conhecer o modo de produção do etanol de cana, de amido e celulósico, biodiesel e metanol.

A visita dos americanos termina no fim de semana. Em aberto, está a exploração de possibilidades de colaboração entre os dois países (incluindo instituições de pesquisa públicas e do setor privado). O governo paulista mostrou a situação atual da agroindústria brasileira do setor e as possibilidades de aumento de produção e de investimentos.

Virgínia Parente, do Instituto Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (IEE-USP), informou que a produção de cana ocupa 10% da área cultivável brasileira (sendo metade para açúcar e 50% para etanol) e não vai inviabilizar a plantação de alimentos e nem ocupar a Amazônia ou o Pantanal.

O futuro é agora

O diretor do Departamento de Alimentos e Agricultura da Califórnia, Steve Shaffer, explicou que o plano de bioenergia californiano estipula a redução de 10% da emissão de carbono proveniente de combustível até 2020 e o acréscimo do uso de bionergia em 20% até 2010, com aumento progressivo ao longo dos anos.

Para atingir essas metas, o governo, disse Shaffer, busca novas fontes renováveis de energia e aumento de utilização dos combustíveis disponíveis que emitem menos poluentes (CO2) na atmosfera.

Na Califórnia, há quatro fábricas de etanol em operação e mais duas em construção. Os americanos produzem etanol a partir do milho e o Brasil extrai o combustível da cana.

Virgínia disse que o diferencial entre os dois produtos é quanto de energia é gasto para produzir e o quanto de energia se obtém do processo: “A proporção no caso da cana é de 1 para 8; para o milho é de 1 para menos de 2. A diferença de preço também é grande. O etanol americano é subsidiado; o brasileiro, não”.

Em relação à possibilidade de acordo, Virgínia ressaltou que ambos os países têm muito a contribuir na troca de conhecimentos e tecnologias. “Com o fim da era do petróleo, o álcool terá papel muito importante e o futuro do etanol é agora. O petróleo não será substituído por uma única forma de energia porque é utilizado em várias aplicações”.

Jonnalee Henderson, analista política da Secretaria de Alimentos e Agricultura do Estado da Califórnia, disse que esse encontro serviu para estabelecer contato entre especialistas com a mesma visão, ideia e objetivos, o que pode ajudar em trabalhos conjuntos e em entendimentos futuros.

Ao término do encontro, Joseph Tutundjian, um dos representantes da Amcham, sublinhou a importância do trabalho da Câmara de Comércio em “facilitar a relação dos americanos com os brasileiros e permitir o entendimento entre os países”.


Contatos e oportunidades

Uma das palestras do encontro foi proferida por Joseph Tutundjian, representante da Amcham e especialista em comércio exterior. Na oportunidade citou o empenho da Califórnia para reduzir emissões até 2020. Revelou a intenção do governador Arnold Schwarzenegger de estreitar laços com o Estado de São Paulo.

“No momento, a fase é de reconhecimento. Este intercâmbio poderá transferir tecnologia entre universidades e abrir caminho para parcerias com empresas dos dois países. E até facilitar futura redução tarifária sobre o etanol brasileiro e expandir o mercado do biodiesel”, assinalou.

A agenda da comitiva tem visitas agendadas na capital à Cetesb, USP, Ceagesp e Secretaria Estadual do Meio Ambiente.

Em Piracicaba, o grupo de 20 representantes norte-americanos conhecerá a Dedini, principal fabricante brasileira de caldeiras e componentes para usinas sucroalcooleiras. O roteiro também prevê ida ao Centro Experimental de Cana da Secretaria Estadual da Agricultura, em Ribeirão Preto, responsável pela produção de mudas especiais para as fazendas paulistas.

O brasileiro Tutundjian preside a empresa Winner Comércio Internacional. Acredita num caminho comum para a expansão do etanol brasileiro, derivado da cana, e o dos Estados Unidos, produzido a partir do milho.

“A tecnologia permite ampliar o rendimento da fabricação de biocombustíveis, sem precisar aumentar as áreas de plantio. Permite reaproveitar sobras vegetais ricas em celulose – bagaço de cana e palhas de milho e de arroz”, observa.

“Além do custo de produção menor, o rendimento por tonelada da cana no Brasil é superior ao do etanol nos EUA. Uma motivação brasileira é exportar a tecnologia de construção de projetos de usina de açúcar e álcool. Este é um dos pontos de interesse dos americanos, que já estão investindo no etanol celulósico, favorecido pela hidrólise enzimática”, destacou.


Mitos sobre o etanol brasileiro

(Fonte: apresentação de Virginia Parente, pesquisadora do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP)

1) Destruição da floresta amazônica para produção de biocombustíveis.
Há áreas propícias ao cultivo da cana no Centro-Oeste brasileiro.

2) Somente a produção subsidiada será possível.
Em São Paulo a cadeia sucroalcooleira é 100% privada.

3) Abandono do cultivo de grãos para plantar cana.
No Estado de São Paulo, todas as áreas possíveis para o cultivo da cana são exploradas, sem prejuízo para as culturas agrícolas tradicionais.

4) Emissão de poluentes na produção do açúcar e do álcool.
A tecnologia é limpa, exceto com as queimadas que não serão mais usadas a partir de 2014.

5) Incompatibilidade entre as frotas de veículos.
O motor flex é uma realidade e a tecnologia de sua produção é bastante difundida no Brasil.

6) A experiência brasileira com o etanol é única no mundo.
Diversos outros países produzem etanol a partir de cana e milho.


Claudeci Martins e Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 27/09/2007. (PDF)

Bagaço da cana-de-açúcar pode ser o futuro energético do País, diz estudo

Pesquisa que está sendo desenvolvida na Esalq pretende dobrar em cinco anos a produção de açúcar e álcool sem aumentar áreas de plantio

Um estudo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) avançou mais um passo na corrida pela hidrólise enzimática (ver glossário) com o bagaço de cana. Esse processo biológico é objeto de interesse de diversos centros de pesquisa no Brasil e visa a permitir nova fermentação da matéria-prima vegetal, após a moagem da cana na usina para produzir açúcar e álcool.

A pesquisa foi iniciada há três anos em Piracicaba. Consiste em introduzir fungos da classe dos basidiomicetos para fazer a hidrólise enzimática e reaproveitar a celulose contida no bagaço. Segundo a professora Sandra Cruz, coordenadora do estudo, os resultados obtidos no laboratório têm sido promissores. A experiência está em fase inicial, mas pretende dobrar a produtividade da cana sem aumentar as áreas de plantio, quando for concluída.

Abundante e barato

Da moagem de uma tonelada de cana, a usina produz, em média, 153 quilos de melaço (açúcar e etanol), 165 quilos de palha e 276 quilos de bagaço. Essa matéria-prima é abundante, de baixo custo e está disponível em grandes quantidades no País. Em comparação com outras biomassas existentes no Brasil, como a soja e o dendê, o bagaço de cana é o mais rico em celulose e essa propriedade desperta grande interesse científico e empresarial.

Desde a década de 70, as usinas brasileiras queimam o bagaço para gerar eletricidade. A energia obtida impulsiona as turbinas e o complexo industrial da propriedade. Torna, assim, a usina autossuficiente em energia na época da safra (abril a novembro), período que coincide com o de baixos níveis de água nos reservatórios das hidrelétricas.

Técnica multiúso

A pesquisadora  Sandra é química e iniciou em 2004 o estudo com os fungos. Hoje, coordena o grupo formado por dois professores do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Esalq, uma pesquisadora do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena-USP), alunos de mestrado e estagiários de iniciação científica.

A ideia surgiu de um projeto paralelo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp), que tinha o objetivo de clarear, com os fungos, o melaço – matéria-prima rica em açúcar.

“A hidrólise enzimática pode ampliar o uso do bagaço sem prejudicar a geração de eletricidade”, avalia Sandra. “Essa matéria-prima é usada para produzir ração animal. No futuro, irá atender aos diversos segmentos industriais, como polímeros (plásticos especiais) e à alimentação humana”, prevê.

Sandra explica que um desdobramento do estudo será estender a técnica aplicada ao bagaço para outras biomassas. Outro efeito possível será retardar o avanço do canavial e outras culturas ligadas aos biocombustíveis sobre áreas de preservação – Pantanal, cerrado e região amazônica.


Processo de hidrólise

A pesquisadora Sandra observa que a barreira tecnológica da hidrólise já foi vencida em alguns laboratórios de empresas brasileiras e estrangeiras. A técnica emprega enzimas produzidas nos Estados Unidos e na Dinamarca, principal produtora. Todavia, o custo de importação encarece e dificulta sua disseminação no Brasil.

“Seguimos um caminho paralelo ao já obtido. Nos dois processos, o fungo sintetiza as enzimas. No entanto, em vez de usar o material importado, introduzimos no bagaço colônias inteiras dos micro-organismos, produzidos na Esalq. A partir daí, um processo biológico dos fungos degrada a lignina e libera as moléculas de glicose existentes”, explica Sandra.

“Os basidiomicetos são fungos que têm por característica degradar matéria-prima vegetal. Para evitar que consumam todo o açúcar disponível, são mortos com elevação da temperatura (calor). Possibilita-se, então, uma nova fermentação do bagaço, que também já está esterilizado, sem riscos ambientais. Outra opção é queimá-lo novamente na caldeira para gerar eletricidade”, observa.

Parceiros

“A perspectiva é repassar às usinas, em até cinco anos, a tecnologia. O primeiro desafio é reduzir o período de 20 dias da hidrólise (contato dos fungos com o bagaço). Depois, será preciso patentear a metodologia e finalizar os testes em escala laboratorial, piloto e industrial”, explica.

“A meta agora é encontrar um parceiro privado para investir cerca de R$ 300 mil em equipamentos e bolsas de estudo para os alunos. Esse valor é baixo ante as possibilidades da descoberta. Interessados em colaborar devem procurar a Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq) ou a Fapesp”, anuncia.


Glossário
(Fonte: Wikipedia)

Hidrólise enzimática do bagaço – Reação microbiana que permite a liberação dos açúcares utilizados na fermentação

Biomassa – Toda matéria-prima animal ou vegetal renovável que pode ser aproveitada como matriz energética (combustível). Exemplo: cana, lenha, gordura bovina, soja, milho, mamona, dendê, girassol, canola, pinhão-manso, madeiras e resíduos orgânicos e de indústrias agrícola e alimentícia.

Lignina – Polímero tridimensional sem forma encontrado nas plantas terrestres, associado à parede celular. Sua função é conferir rigidez, impermeabilidade e resistência a ataques microbiológicos e mecânicos aos tecidos vegetais.

Glicose – As células usam este carboidrato como fonte de energia. É um dos principais produtos da fotossíntese.

Basidiomicetos – Fungos que têm por característica degradar matéria-prima vegetal.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 10/11/2007. (PDF)