Robô da Fatec Carapicuíba vai auxiliar aprendizado de crianças

Próximo passo da dupla de alunos, autores da ideia, será firmar parceria com especialistas e institutos de atendimento a crianças autistas para ajustar e aprimorar as funções do robô

Dupla de alunos da Faculdade de Tecnologia (Fatec) de Carapicuíba criou um robô educacional com proposta inovadora: auxiliar o desenvolvimento de crianças de 3 a 6 anos, autistas ou não. Batizado de Assistente Robótico de Inclusão ao Autista (ARIA), o projeto rendeu aos estudantes Lucas Brito, de 19 anos, do curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, e Wendell Silva, de 22 anos, de Jogos Digitais, o 1º lugar na categoria Saúde e Segurança, na 10ª Feira Tecnológica do Centro Paula Souza (Feteps), realizada em outubro, na capital.

Construído no Laboratório de Robótica da Fatec Carapicuíba, o projeto teve coordenação do professor Álvaro Gabriele, orientação do professor Thiago Farias e co-orientação do professor João Eduardo Vieira. De acordo com os alunos, o autômato demorou um ano para ser construído e custou R$ 500. Sua estrutura usa itens reciclados e um conjunto de peças de plástico projetadas e modeladas pela dupla de estudantes na impressora tridimensional (3D) do laboratório.

Interação

Segundo os estudantes, o conceito é aproveitar o interesse natural das crianças pela tecnologia – e também a habilidade delas em manusear dispositivos eletrônicos. O robô ‘anda’ com as duas pernas e emite alertas sonoros, sendo capaz de ‘procurar’ a criança para interagir em um ambiente por meio de programação baseada em conceitos de inteligência artificial básica.

O contato principal da criança com o robô ocorre na tela do celular instalado no corpo do autômato, por meio do aplicativo, também chamado de ARIA. O programa estimula a concentração e o aprendizado da criança por meio de minijogos, cuja lista inclui quebra-cabeças, disputa de corrida com personagens, formação de palavras com sílabas e identificação de animais pelos sons, entre outras funções.

“Os games têm interface gráfica simples, porém, elaborada. O ambiente deles é formado por músicas de fundo e elementos lúdicos capazes de facilitar a compreensão da criança às instruções transmitidas”, informa Wendell. Segundo ele, o robô ainda não foi testado com autistas, porém, considerou em sua concepção diversos detalhes para ‘humanizá-lo’ e atrair o interesse e a empatia das crianças, como, por exemplo, ter olhos, pernas, movimentos e voz. “Atualmente, estamos montando nova versão e, em breve, colocaremos um vídeo no YouTube para divulgá-la”, revela.

Wendell se forma neste mês e Lucas no final de 2017. Ambos seguirão com o projeto do robô no recém-inaugurado Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) do Centro Paula Souza. O NIT foi uma iniciativa lançada no Simpósio de Gestão e Tecnologia (Simgetec) da Fatec Carapicuíba, evento realizado entre os dias 9 e 12 de novembro.

Com o apoio da Agência Inova Paula Souza, e sob responsabilidade do professor Alvaro Gabrieli, coordenador de curso de Jogos Digitais, o NIT foi instalado na própria Fatec Carapicuíba. Sua proposta é estimular o empreendedorismo e oferecer apoio na formação de empresas de base tecnológica (startups) nas áreas de robótica, jogos digitais, realidade virtual, captura de movimento, gamificação, aplicativos e sistemas.

Na incubadora, o próximo passo da dupla de alunos será firmar parceria com especialistas e institutos de atendimento a crianças autistas, com o objetivo de ajustar e aprimorar as funções do robô. “Com o suporte da aceleradora de startups, eles terão orientação e o auxílio necessário para lançar a ideia no mercado e tornar o robô acessível para a maior quantidade possível de usuários ou, ainda, patentear e repassar a tecnologia desenvolvida”, analisa o professor Thiago Farias, orientador do projeto.

Inclusão

“Em 2016, pela terceira vez, nosso laboratório de robótica conseguiu incluir ao menos um projeto entre os finalistas da Feteps”, conta Farias, responsável pelo centro de desenvolvimento com o seu colega docente da Fatec Carapicuíba, João Eduardo Vieira. Segundo ele, o laboratório, criado em 2013, tem em seu histórico trabalhos cuja concepção mescla conceitos tradicionais de eletrônica, programação e mecânica básica com inovações, como tecnologias assistivas, realidade virtual e a chamada ‘Internet das Coisas’, entre outras novidades, para promover inclusão social.

“O autismo foi o tema mais recente. Em iniciativas anteriores, um projeto foi concebido para pacientes de Síndrome de Encarceramento; outros, mais recentes, priorizaram pessoas com dificuldades de mobilidade e de expressão”, informa. Segundo ele, agora, como o recém-criado NIT congrega o trabalho de diversos laboratórios da Fatec Carapicuíba, a expectativa na faculdade é orientar projetos com repercussão social ainda mais abrangente.

Serviço

Fatec Carapicuíba
E-mail contato@fateccarapicuiba.edu.br
Telefone (11) 4184-8404

Feteps

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 10/01/2017. (PDF)

A fada do dente

Pesquisa da USP amplia conhecimento sobre o autismo e auxilia teste com novas drogas

Pesquisa do Laboratório de Células-Tronco da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ/USP) abre novas luzes na compreensão dos fenômenos biológicos que envolvem o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Iniciado em 2008, o projeto A Fada do Dente coleta, estuda e armazena dentes de leite de pacientes autistas. É realizado em conjunto com a Universidade da Califórnia (UCSD), de San Diego (Estados Unidos).

O objetivo é aprofundar conhecimentos biológicos e genéticos sobre os transtornos do espectro autista reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). De modo geral, a doença é caracterizada pelas dificuldades de comunicação, de interação social e de alterações comportamentais, como, por exemplo, a estereotipia (repetição de gestos e movimentos). Nos Estados Unidos, a incidência é de um caso a cada 88 nascimentos, e acomete cinco vezes mais meninos do que meninas. No Brasil, não há estatísticas oficiais, mas estima-se que os números sejam próximos dos norte-americanos.

Um dos grandes desafios do autismo é a dificuldade no diagnóstico, que é apenas clínico. Não há um marcador biológico (genético) exclusivo para a doença. Atualmente, é impossível prevenir sua incidência. Além disso, a confirmação de um caso depende de avaliação conjunta de equipe multiprofissional especializada no tratamento, incluindo fonoaudiólogo, médico, psiquiatra, neuropsicólogo, etc.

Máquina do tempo

O trabalho na FMVZ-USP é inédito no País. Abre possibilidades para testar novas drogas para combater a doença, descrita pela primeira vez em 1943, pelo psiquiatra Leo Kanner. Para haver avanços no tratamento e prevenção, a ciência precisa descobrir exatamente quais genes estão diretamente envolvidos com a doença – o espectro da incidência genética é muito variado – e em quais situações são ativados.

A dupla de biólogos Patrícia Beltrão Braga e Alysson Muotri partiu da similaridade entre os quadros clínicos de pacientes e lançou mão da técnica de reprogramação celular. O método consiste em extrair e analisar a polpa do dente de autistas, material orgânico que contém células-tronco. Depois, no laboratório, promover uma “volta ao passado” do tecido celular por um processo de diferenciação da célula até uma célula embrionária.

A partir daí, essas células são novamente diferenciadas e produzem células encontradas nos tecidos cerebrais, os neurônios. É nessas células que a ciência centraliza esforços para saber mais sobre o autismo.

Líder do projeto no Brasil, a pesquisadora Patrícia Beltrão Braga recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp) para realizar o primeiro projeto de reprogramação celular. Nele, usou apenas dentes de crianças sem autismo para aprimorar a técnica. Pretende, agora, solicitar novo financiamento, para bancar pesquisa somente com dentes de leite de autistas.

Novas possibilidades

Não invasiva, a técnica da FMVZ-USP amplia o universo tradicional da pesquisa. Complementa, por exemplo, mutirões de coleta de sangue de pacientes e de seus pais feitos nos Estados Unidos para descobrir mais sobre a doença. Favorece também a comparação, em laboratório, de tecidos cerebrais de cadáveres com os neurônios de autistas, considerando que estes seguem vivos e têm histórico de vida conhecido. Melhoram, assim, a abordagem do trabalho.

De natureza multidisciplinar e internacional, a pesquisa teve também a colaboração do psiquiatra Marcos Mercadante, falecido em 2011. Envolve mais os biólogos Graciela Pignatari e Fabiele Russo, a farmacêutica Isabella Fernandes e também médicos psiquiatras, psicólogos, dentistas, neuropsicólogos, entre outros especialistas.

Etapa intermediária

Nas crianças, a substituição da dentição de leite para a definitiva ocorre em média entre os seis e os dez anos de idade. O projeto da USP consiste em comparar a polpa de dentes de autistas com a de não portadoras da doença. Para explicar o processo, a cientista Graciela Pignatari traça um paralelo com o desenvolvimento de uma árvore.

“Imagine a célula embrionária como se fosse uma semente. A muda seria a etapa intermediária no seu desenvolvimento, e a árvore, o organismo adulto. Assim, dentro do dente de leite do autista há células-tronco, que ainda não sofreram transformação definitiva. Por estar no meio do “caminho”, é possível estudar diversos aspectos”, explica Graciela.

Inspiração oriental

A ideia foi concebida a partir de pesquisa de 2006 do cientista Shinya Yamanaka. Ele propôs experiência semelhante com a pele humana, tecido terminalmente diferenciado, que já concluiu o último estágio da transformação. “Na USP, pegamos um atalho. Fazemos a reprogramação celular no meio do processo. E avançamos mais rápido nos resultados”, observa Patrícia.

Outra novidade: a pesquisa original exige ida do paciente ao laboratório para que seja colhida amostra de sua pele por meio de procedimento doloroso. Já na técnica da USP, a coleta é indolor, dispensa viagens e reaproveita dentes que cairão espontaneamente.

Instruções para remessa

Pais de autistas interessados em colaborar podem encaminhar o dente pelo correio, em caixa de isopor especial cedida pela USP. Pode ser de qualquer tipo: molar, canino, pré-molar, etc. O acervo atual conta com 50 amostras. O passo inicial é enviar e-mail para projetoafadadodente@yahoo.com.br. Na mensagem, precisa solicitar o kit de acondicionamento desenvolvido na USP. Receberá, então, gratuitamente, em sua residência, o material de coleta, contendo o termo de doação, o telefone de contato do pesquisador responsável e as instruções para remessa.

O envio, com o documento assinado, deve ser feito em no máximo 48 horas após a queda. A única despesa para a família do doador será pagar a postagem do Sedex no correio. O ideal é pedir o kit quando o dente começar a amolecer, para haver tempo hábil de remessa e devolução do material coletado.

Depois de receber o kit, basta colocar o frasco com o líquido rosa na geladeira e o gelo reciclável no congelador. Quando o dente cair, a recomendação é colocá-lo rapidamente no frasco, guardá-lo na geladeira e ligar para o pesquisador para orientar a coleta. Estes cuidados aumentam as chances de manter as células-tronco vivas – e permitirão, assim, a extração das mesmas no laboratório.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 15/08/2012. (PDF)