Unicamp inova na área do esporte paralímpico

Pioneiro, departamento da Faculdade de Educação Física formou centenas de profissionais especializados na reabilitação, iniciação na atividade esportiva e no treinamento do esporte de alto rendimento de pessoas com deficiência

Avançar e inovar na área de educação física adaptada e formar profissionais especializados em pesquisa, reabilitação e esporte de alto rendimento de pessoas com deficiência. Essa é a meta dos professores e alunos do Departamento de Estudos de Atividade Física Adaptada da Faculdade de Educação Física (FEF) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Pioneiro no País, o projeto acadêmico com atividades paralímpicas teve início em 1987 com o trabalho dos docentes Edison Duarte e José Luiz Rodrigues, entre outros acadêmicos. No mesmo ano, o atleta José Júlio Gavião de Almeida, recém-retornado de campeonato mundial de tae kwon do, na Coreia do Sul, ingressou no corpo docente da Unicamp e foi desafiado pelo professor Duarte a especializar-se também em educação física adaptada. A parceria prossegue até hoje.

Classificação

“O esporte é um meio saudável para diminuir a desvantagem natural da pessoa com deficiência”, destaca Duarte, mencionando outros benefícios, como o resgate da identidade do indivíduo, muitas vezes perdida por causa da limitação física, sensorial ou intelectual. “Além disso, o aumento da confiança e do condicionamento físico, entre outras questões, amplia as possibilidades de ingresso e de permanência desse atleta nas competições e no mercado de trabalho”, explica.

Atualmente, além das atividades na Unicamp, Duarte atua como classificador brasileiro e internacional da modalidade esgrima em cadeira de rodas. Essa tarefa consiste em identificar, em conjunto com médicos e fisioterapeutas, o nível de deficiência de cada atleta, para garantir a igualdade de disputa nas competições, sendo a função reconhecida pelo Comitê Paralímpico Internacional (International Paralympic Committee – IPC).

Cooperação

As informações obtidas e provenientes dos ex-alunos, a partir da evolução dos esportistas, são imprescindíveis para a universidade manter-se atualizada, informa Gavião de Almeida. Para ele, todo atleta paralímpico, além de representar superação e persistência, é um caso único para a ciência. “Na FEF da Unicamp, procuramos manter contato inclusive com quem não trabalha mais conosco”, observa o professor, que foi o primeiro coordenador da Academia Paralímpica Brasileira, criada em 2010.

Na avaliação do docente, o progresso individual de cada atleta amplia as possibilidades de inovação na área de educação física adaptada e abre mais campos para a pesquisa. Outros desdobramentos são ampliar o debate e os conhecimentos em temas como acessibilidade, materiais esportivos, entre outros assuntos. “O trabalho vai além das atividades regulares de ensino, pesquisa e extensão, que são o tripé estrutural da universidade pública”, observa.

Esportes

Organizadas pelo Comitê Paralímpico Internacional (IPC), os jogos paralímpicos são a maior competição mundial para pessoas com deficiência. Nas competições, os participantes são divididos em cinco categorias: paralisados cerebrais, deficientes visuais, atletas em cadeira de rodas, amputados e atletas com outros tipos de deficiências.

A maioria das modalidades é inspirada nos esportes olímpicos tradicionais – atletismo, natação, tênis, judô, tênis de mesa, futebol, basquete, entre outros. Apenas há adaptação das regras e dos modos de disputa. Há ainda modalidades exclusivas como, por exemplo, o golbol. Nesse jogo, disputado numa quadra com dimensões e traçados parecidos com a do vôlei, o objetivo das duas equipes de três jogadores cada uma é rolar a bola com guizos em direção ao gol adversário.

Números

Outro viés do trabalho da Unicamp é oferecer respostas às demandas da sociedade, em especial aquelas direcionadas à inclusão social e à diversidade. Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população do Estado de São Paulo é estimada em 41,2 milhões – desse total, 23,9%, ou 9,8 milhões de pessoas, têm algum tipo de deficiência.

No panorama nacional, os porcentuais são parecidos: dos 190,7 milhões de habitantes apurados no Censo 2010, 45,5 milhões – quase um a cada quatro brasileiros – integram o grupo, com deficiências adquiridas no nascimento ou ao longo da vida.

Origem

Em cada país, a educação física adaptada teve origem e desenvolvimento distintos. No Canadá, surgiu nos clubes; nos Estados Unidos, no voluntariado e nos clubes; e na Inglaterra, em centros de reabilitação. No Brasil, a principal referência é a universidade pública, desde a iniciação até o esporte de alto rendimento. No entanto, para participar de competições, o atleta deve ser vinculado a um clube.

O trabalho da FEF da Unicamp com educação física adaptada tem repercussão nacional. Nas últimas décadas, a universidade formou centenas de professores, treinadores, fisiologistas e preparadores físicos especializados. Atualmente, muitos ex-alunos ocupam funções diversas no Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e integram o corpo docente de outras instituições e de universidades parceiras, como as federais de Uberlândia e de São Paulo, também referências na área.

Alguns estudos acadêmicos da FEF colaboraram para o desenvolvimento do parabadminton, para tae kwon do, esgrima em cadeira de rodas, golbol, futebol de 5, atletismo, natação e ciclismo. Além disso, o parabadminton e o para tae kwon do estrearão nos Jogos de Tóquio 2020, no Japão.

Potência

A primeira paralimpíada foi disputada em Roma, na Itália, em 1960. O Brasil estreou em 1972, em Heidelberg, na Alemanha, sem trazer medalhas. Em 1976, nos jogos disputados em Toronto (Canadá), a delegação brasileira incluiu atletas mulheres pela primeira vez e conseguiu o primeiro pódio, com uma medalha de prata conquistada pela dupla Robson Almeida e Luiz Carlos Costa, na modalidade lawn bowls, espécie de bocha jogada na grama.

Em 2014, pela primeira vez, o CPB enviou dois atletas para competir nos Jogos Paralímpicos de Inverno, em Sóchi, na Rússia. E nas paralimpíadas de verão, os pioneiros, o País segue melhorando seu desempenho a cada nova edição. “A expectativa para a certame disputado em solo brasileiro é conseguir o 5º posto na classificação geral”, observam os pesquisadores Duarte e Gavião de Almeida.

Em 1996, em Atlanta (Estados Unidos), a delegação brasileira terminou na 37ª colocação geral; em 2000, em Sidney (Austrália), acabou no 24º lugar; em 2004, em Atenas, capital da Grécia e país de origem dos esportes olímpicos, conseguiu o 14º posto; em 2008, em Pequim (China), ficou em 9º; e em 2012, em Londres (Inglaterra), obteve a 7ª colocação no ranking geral.

Neste ano, no Rio de Janeiro, a paralimpíada será disputada de 7 a 18 de setembro nas seguintes modalidades: atletismo, basquete em cadeira de rodas, bocha, canoagem, ciclismo de estrada, ciclismo de pista, esgrima em cadeira de rodas, futebol de 5, futebol de 7, golbol, halterofilismo, hipismo, judô, natação, remo, rúgbi em cadeira de rodas, tênis de mesa, tênis em cadeira de rodas, tiro com arco, tiro esportivo, triatlo, vela e vôlei sentado.

Segredos

Uma das estratégias da FEF para descobrir e lapidar novos talentos é acompanhar torneios paralímpicos realizados todos os anos nas cinco regiões brasileiras. Outro trunfo é apostar em diversas modalidades, como, por exemplo, oferecer cursos de extensão universitária de rúgbi em cadeira de rodas, esgrima em cadeira de rodas, parabadminton, paraesgrima, paracanoagem, paratae kwon do, atletismo, natação e ciclismo, entre outras.

Além do corpo docente, o trabalho do Departamento de Estudos de Atividade Física Adaptada abrange alunos de graduação e pós-graduação, investindo na diversidade de esportes paralímpicos. A lista inclui os professores João Paulo Borin, fisiologista do exercício especializado em futebol de 5, Marcos Uchida, especialista em força e estudos do paraciclismo, e José Irineu Gorla, especialista em avaliação física.

Variedades

O futebol de 5 é tema do projeto acadêmico do doutorando Luis Felipe Campos. Preparador físico da seleção brasileira desse esporte, ele é também “chamador” nas partidas, isto é, posicionado atrás do gol, passa referências do campo para os atletas com deficiência visual.

O mestrando Maicon Pereira atua como preparador físico de esgrima em cadeira de rodas; seu colega de pós-graduação Luiz Gustavo Santos é preparador físico da Seleção Brasileira de paracanoagem e treina 12 atletas na Raia Olímpica da Universidade de São Paulo (USP), na Cidade Universitária, na capital.

A mestranda Thálita Santos especializa-se na área de lesões em nadadores – e trabalhará como voluntária nas piscinas dos Jogos Paralímpicos do Rio 2016. Sua colega Mariane Ferreira, ciclista de elite (profissional), atua como piloto de atleta com deficiência visual em provas de ciclismo.

Outra ação direcionada à iniciação e inclusão no esporte paralímpico é um convênio da Unicamp com a prefeitura de Campinas. Realizado pela professora Maria Luiza Alves, o trabalho consiste em garantir que crianças com deficiência matriculadas na rede pública municipal tenham autonomia e acesso ao esporte adaptado e na capacitação dos professores para atendê-las adequadamente.


Ninho de campeões

Cursando mestrado, o ex-aluno da Faculdade de Educação Física da Unicamp Diego Gamero é um dos preparadores físicos do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) nos treinos preparatórios da delegação brasileira para os jogos deste ano. Além de orientar, ele auxilia na montagem e disposição de equipamentos, como o banco da prova de arremesso usado por competidores de diversas modalidades de atletismo.

No Centro Paraolímpico Brasileiro (inaugurado no mês passado), localizado na zona sul da capital, Diego acompanha os treinos de Bete Gomes, para-atleta de lançamentos de dardo, peso e disco. Com 51 anos, ela conta ter sido na juventude agente da Guarda Civil de Santos e campeã paulista de vôlei, antes de desenvolver esclerose múltipla, em 1996. A doença não a impediu de ser atleta de basquete em cadeira de rodas até 2010. Com a evolução do quadro da doença, hoje dedica-se ao atletismo.

“O esporte sempre foi primordial na minha reabilitação. Treino cinco horas diárias, de segunda-feira a sábado – e toda a equipe técnica e de apoio evolui junto na preparação”, diz Bete. Ela representou o Brasil na Paralimpíada de Pequim, em 2008, na modalidade basquete; três anos depois, no arremesso de peso, disputou as provas do Pan-Americano de Guadalajara, no México.

Ouro e prata

José Humberto Rodrigues, cadeirante, treina lançamento de dardos. Com 45 anos e para-atleta desde 2009, o mineiro de Uberaba segue treinando forte. Recordista brasileiro da modalidade, disputa com mais 56 atletas as 39 vagas da delegação nacional nessa modalidade dos jogos do Rio 2016.

Pretendo brigar pelo ouro”, conta. No ano passado, no Mundial Paralímpico de Atletismo, disputado em Doha, no Catar, Rodrigues lançou um dardo a 28,33 metros de distância. Essa marca rendeu-lhe a medalha de prata. “Agora, o céu é o limite, literalmente”, acredita.

Internacional

Os fisiologistas do exercício, Thiago Lourenço e Fernando Catanho, ambos doutores pela FEF da Unicamp, contam que sua tarefa é trazer a ciência para as arenas esportivas. A dupla acompanha treinamentos, monitora a evolução dos atletas e municia os treinadores do Comitê Paralímpico Brasileiro com informações apuradas nos treinos e competições, entre outras tarefas. “Com partilhar os progressos obtidos com os colegas da academia é imprescindível. Eles sempre têm considerações valiosas sobre o trabalho e todos evoluímos em conjunto”, contam os especialistas.

Doutor em educação física pela FEF e professor da Unifesp, Ciro Winckler é o atual coordenador técnico de atletismo do CPB. Um dos responsáveis pela gestão do Centro Paraolímpico Brasileiro, ele diz que o complexo criado para treinamento e avaliação de atletas paradesportivos é de referência internacional e será um dos maiores legados da Paralimpíada do Rio 2016.

Com investimento de R$ 308 milhões, o centro ocupa 140 mil metros quadrados de área e tem hotel com 300 leitos adaptados aos para-atletas e treinadores. Instalado no Parque Fontes do Ipiranga, foi projetado para atender 15 modalidades paralímpicas e construído a partir de parceria entre a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o Comitê Paralímpico Brasileiro e o Ministério do Esporte.

Atletismo

Claudiney Santos conquistou medalhas de prata nos Jogos de Londres 2012 e no Mundial Paralímpico disputado no Catar, em 2015, no arremesso de disco. Na sua avaliação, o Centro Paraolímpico representa um grande passo para a evolução nacional do esporte paralímpico. “As instalações favorecem a quebra de recordes e me dedico diariamente a superar minha melhor marca pessoal, de 42,09 metros”, pondera o atleta da categoria amputados.

Shirlene Coelho é outra promessa de medalha para o Brasil. Atleta com paralisia cerebral, integra a Seleção Brasileira permanente de atletismo. Ela estreou nos Jogos de Pequim 2008 e conquistou a medalha de prata no lançamento de dardo. Quatro anos depois, em Londres, levou o ouro com direito à quebra de recorde mundial e detém, atualmente, a marca de 37,86 metros, uma das melhores da modalidade.

Entrosamento

Monitorado por uma fotocélula, espécie de cronômetro que apura o desempenho de um corredor em diversos intervalos de uma prova, Felipe Gomes esmera-se nos treinos com seu guia, Jonas Alexandre, para as provas dos 100 metros, 200 metros, 400 metros e revezamento 4×100 metros.

“Ter guia é imprescindível. Ele sincroniza seus passos com os meus, orienta sobre os limites da pista e informa sobre qual ritmo devo adotar em cada etapa da prova”, explica o carioca Felipe, medalha de ouro nos 200 metros na Paralimpíada de Londres 2012 e no Mundial de Doha, no ano passado. “Nossos treinamentos diários ampliam o entrosamento e têm possibilitado aprimorar meus índices”, revela.

Serviço

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 22/06/2016. (PDF)

IPT indica novos caminhos para os resíduos sólidos urbanos

Projeto-piloto em Bertioga avalia opções para a prefeitura tratar e reciclar o lixo doméstico e prover sua destinação ambiental correta

Convênio firmado em dezembro entre o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado, e a prefeitura de Bertioga, cria alternativas para se desenvolver, em âmbito municipal, uma plataforma tecnológica inédita no tratamento de resíduos sólidos urbanos (RSU).

Chamados genericamente de lixo, os resíduos sólidos representam um conjunto de materiais orgânicos e embalagens provenientes de residências, como, por exemplo, papel higiênico, restos de comida e dejetos. A lista inclui também galhos e folhas de árvores recolhidos após a varrição e limpeza das ruas; sobras dos chamados grandes geradores (supermercados, feiras e sacolões), cujo descarte principal são alimentos fora do prazo de validade; e, por fim, rejeitos, como fraldas e absorventes, que têm como destino o aterro sanitário.

Multidisciplinar e pioneira no País, a iniciativa da secretaria, por meio do IPT em Bertioga, segue as diretrizes da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) – Lei federal nº 12.305/2010, cujo objetivo é regulamentar e padronizar procedimentos de descartes de resíduo industrial, doméstico, da área de saúde, eletroeletrônico, etc. O objetivo é melhorar a saúde e a qualidade de vida da população, fortalecendo ações de saneamento básico e de educação ambiental e, ainda, diminuir custos com a disposição final dos resíduos.

Tecnologias

A PNRS é um dos alicerces do Plano Nacional de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007) e suas proposições incluem, entre outras ações governamentais, a adoção e execução nos Estados e municípios brasileiros de serviços, como abastecimento de água, tratamento de esgoto, limpeza urbana e drenagem de águas das chuvas.

Em Bertioga, o projeto do IPT irá identificar e indicar as tecnologias mais baratas e eficazes para tratar os resíduos. O trabalho considera questões locais, técnicas, econômicas e ambientais e, quando for concluído, apresentará relatório para a prefeitura com as opções de metodologias integradas para reciclagem, pré-tratamento, biodigestão (com micro-organismos) e tratamento térmico dos resíduos sólidos urbanos.

Coordenado pela pesquisadora doutora Cláudia Echevenguá Teixeira, do Laboratório de Resíduos e Áreas Contaminadas do IPT (ver serviço), o trabalho integra 50 profissionais em atividades de campo, ensaios e análises técnicas. A equipe é formada por pesquisadores, técnicos, bolsistas, colaboradores e pessoal de apoio e administrativo de seis laboratórios do instituto: Análises Químicas; Biotecnologia Industrial; Combustíveis e Lubrificantes; Engenharia Térmica; Processos Metalúrgicos e Recursos Hídricos; e Avaliação Geoambiental.

Composição

O estudo irá pesquisar meios para ampliar a coleta seletiva e a reciclagem (de vidro, papelão, ferro, papel, alumínio e plásticos), avaliar estratégias para diminuir a massa e o volume do material coletado e identificar opções de destinação ambiental correta para diferentes tipos de resíduos.

“Em média, cada cidadão gera diariamente cerca de um quilo de lixo – matéria-prima complexa e heterogênea, cuja composição varia muito em função dos hábitos de consumo da população e das estações do ano”, explica Cláudia.

Na Baixada Santista, cerca de 50% do lixo coletado é orgânico. Essa característica, informa a pesquisadora, abre a possibilidade de geração de biogás a partir da decomposição anaeróbia do material. Rico em metano, esse biocombustível gasoso pode ser queimado para obtenção de calor ou de eletricidade no ambiente doméstico, automotivo ou industrial.

Bertioga, cidade de 55 mil habitantes, foi a selecionada para abrigar o projeto por ter sistema de coleta seletiva e infraestrutura favoráveis à pesquisa, como o Centro de Gerenciamento e Beneficiamento de Resíduos da prefeitura, inaugurado em maio do ano passado. Atualmente, o município gera 2,1 mil toneladas de resíduos sólidos mensais. No entanto, na alta temporada (de dezembro a fevereiro), este volume aumenta até oito vezes por causa da população flutuante.

Processamento

Como a maioria das cidades da Baixada, Bertioga é impactada pelo lixo urbano e tem no turismo uma atividade econômica fundamental. Assim como os municípios vizinhos, Bertioga também abriga trechos de mata atlântica em diversos parques estaduais – todos gerenciados pela Fundação Florestal, ligada à Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

Localizado fora do perímetro urbano, no quilômetro 227 da Rodovia Manoel Hipólito do Rego (SP-55 – Rodovia Rio-Santos), o Centro de Gerenciamento e Beneficiamento de Resíduos tem por função o transbordo (recepção, separação e compactação) dos resíduos, que não permanecem mais que 24 horas no local.

Para avaliar todos os processos relacionados ao projeto, o IPT montou duas bases de operações em Bertioga: uma na Secretaria Municipal do Meio Ambiente, na região central da cidade, e outra no posto municipal de Gerenciamento e Beneficiamento de Resíduos. Na primeira, o instituto atua em conjunto com os representantes da prefeitura; e, na segunda, os pesquisadores acompanham e monitoram todas as atividades e etapas do processamento do lixo.

A operação no Centro de Gerenciamento começa com a pesagem dos caminhões vindos de todos os bairros da cidade. Na sequência, o lixo é descarregado e compactado para reduzir seu volume. No local, 21 trabalhadores da Cooperativa de Triagem de Sucata União de Bertioga, conveniada com a prefeitura, separam itens da coleta seletiva de recicláveis para revender.

Por ser considerado insalubre pela Norma Regulamentadora nº 15 do Ministério do Trabalho e Previdência Social, o lixo convencional, sem separação de materiais, não pode ser manipulado e segue para o aterro sanitário Sítio das Neves, em Santos. Esse local tem capacidade de armazenamento prevista para se esgotar nos próximos anos – e assim amplia a relevância do projeto-piloto em Bertioga.


As três fases do projeto multidisciplinar e pioneiro

O projeto-piloto do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), para tratamento de resíduos sólidos urbanos (RSU) no município de Bertioga, está dividido em três etapas e teve como um dos pontos de partida uma chamada pública realizada pelo IPT em novembro.

Direcionada a empresas especializadas em tratamento de resíduos sólidos, a convocação atraiu representantes de 30 organizações – a maioria brasileiras. Permitiu aos pesquisadores do instituto conhecer as soluções mais atuais para tratar o lixo doméstico em diferentes escalas e proporções, incluindo maquinários e processos.

A fase inicial, de três meses, foi finalizada em março. Compreendeu a criação de um projeto de planta para avaliar e mapear opções de rotas tecnológicas disponíveis, saber mais sobre a população local e, ainda, definir escala de instalação, layout das unidades e determinar prazos e custos das plantas industriais para destinação dos resíduos.

Plataforma

Iniciada em abril, a segunda fase tem duração prevista de 15 meses. Abrange a montagem e o desenvolvimento da planta, elaboração de memorial descritivo e contratação de fornecedores de máquinas e equipamentos. Além das instalações, será criado protocolo de coleta de amostras de resíduos, tendo a população como fonte de informação em diversas atividades e, ainda, dará início às operações das unidades de tratamento de resíduos e aos testes de monitoramento.

A etapa final terá seis meses de duração e vai pôr em prática a plataforma tecnológica desenvolvida pelo IPT, com operação, monitoramento e avaliação das atividades da planta industrial instalada em Bertioga.

A pesquisadora doutora Cláudia Echevenguá Teixeira, do IPT, ressalta que, além do apelo ambiental, tratar os resíduos ajuda a prevenir doenças na população e diminui a proliferação de diversos insetos e animais atraídos pelo lixo. Segundo ela, no encerramento do projeto, de 24 meses de duração, no final de 2017, a prefeitura da cidade de Bertioga poderá decidir, amparada em critérios técnicos e laboratoriais, quais decisões quer tomar em relação aos resíduos urbanos.

“Na maioria dos municípios brasileiros, o tema lixo é complexo, exige custos variados e abrange questões regionais, além de diversos aspectos inter-relacionados. Assim, a estratégia adotada pelo IPT foi propor uma abordagem integrada e multidisciplinar para este desafio”, explica a pesquisadora.

Passo a passo

O projeto tem investimento de R$ 9,5 milhões da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado e prevê a capacitação de técnicos municipais em tratamento de resíduos, além de apoiar a instalação e o monitoramento dos sistemas. Em contrapartida, a prefeitura de Bertioga oferece apoio logístico e operacional e faz a intermediação entre a população e os pesquisadores do IPT.

Atualmente, a pesquisa em Bertioga é focada em área da região central do município, onde vivem 2,5 mil pessoas (5% da população). O passo seguinte será adaptar e replicar a tecnologia desenvolvida nos outros bairros da cidade para, futuramente, estendê-la a outros municípios da Baixada Santista e demais regiões do Estado e do País.

Responsável pelos trabalhos de campo no Centro de Gerenciamento e Beneficiamento de Resíduos, a pesquisadora do Laboratório de Resíduos e Áreas Contaminadas, Fernanda Manéo, atua com três colegas do IPT no local: o gestor ambiental autônomo Daniel Leite e os técnicos Reginaldo Cruz e Jozias da Cruz.

Fernanda explica que a coleta de amostras de resíduos sólidos em Bertioga é baseada na Norma Brasileira ABNT NBR 10007:2004, de referência sobre o tema. O trabalho começa com a separação de uma parte do material despejado pelos caminhões de lixo para as pesquisas, sendo averiguadas apenas as amostras de material proveniente da região central, objeto inicial do estudo.

Balizas

A coleta considera aspectos como o horário do descarte feito pela população, a data e a estação do ano, entre outras variáveis. O objetivo, informam Fernanda e Daniel, é obter amostras representativas da composição média dos materiais jogados no lixo, para se definir as tendências e padrões gerais do descarte.

Uma das estratégias adotadas é misturar, novamente, em um tambor plástico de 200 litros o material coletado, para, depois, na etapa seguinte, abrir os sacos de lixo selecionados em uma lona, estendida no chão e separar, analisar, classificar e pesar o material. As informações apuradas balizarão as próximas fases do projeto.

O engenheiro Fernando Poyatos e o tecnólogo ambiental Adriano Baião, ambos da Secretaria do Meio Ambiente de Bertioga, destacam a possibilidade de elaborar, a partir do trabalho do IPT, um plano tangível e racional para os resíduos sólidos. “Além de prover destinação ambiental correta para o lixo doméstico, há também a possibilidade de geração de energia a partir dele”, analisam.

Os dois observam que a experiência está sendo um grande aprendizado para todos: munícipes, poder público e trabalhadores que atuam na reciclagem. Para o futuro, a meta é instalar uma incubadora de empresas especializadas em prestar serviços na área ambiental. “Já temos um espaço reservado para essa finalidade no Centro de Gerenciamento e Beneficiamento de Resíduos”, revelam.

Reciclagem

Clóvis dos Santos, presidente da Cooperativa de Triagem de Sucata União de Bertioga, fundada em 2010, é um dos mais entusiasmados com a parceria IPT/prefeitura. Segundo ele, em três meses o projeto ajudou a orientar o grupo em diversas questões e aumentou a conscientização dos munícipes sobre a necessidade de separar resíduos orgânicos dos recicláveis antes do descarte.

“Em março, mesmo com o fim da alta temporada no litoral, dobramos o volume diário de itens recicláveis vendidos em comparação com janeiro”, revelou. Outra notícia favorável foi a renovação, em fevereiro, do convênio da cooperativa com o município até 2021. Esse acordo paga aos trabalhadores pelo serviço de reciclagem dos materiais e os premia com valores adicionais quando atingem metas – estratégia para ampliar a reciclagem, a renda e o emprego deles, que têm como base a revenda do material reciclável.

O aumento na renda permitiu ao grupo deslocar Renilza da Silva da esteira de separação de materiais para a cozinha dos trabalhadores no Centro de Gerenciamento. “Gostaram do meu tempero, não me deixaram voltar mais”, conta a recicladora, orgulhosa com a nova função.

Serviço

Laboratório de Resíduos e Áreas Contaminadas do IPT
E-mail rsuenergia@ipt.br
Telefone (11) 3767-4251

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 12/04/2016. (PDF)

Documento indica crescimento no uso de energias limpas em SP

Balanço Energético 2015 mapeia consumo e origem da energia utilizada no Estado em 2014; publicação da Secretaria de Energia é referência em estudos de planejamento e preservação ambiental

Com o maior parque industrial da América Latina e população superior a 44 milhões de habitantes, o Estado de São Paulo consumiu 25,3% de toda a energia gerada no Brasil em 2014. A rede paulista de usinas hidrelétricas faz do Estado uma das regiões do planeta com mais produção de energia limpa – ao lado de outras fontes, gera 53% da energia utilizada internamente, sendo que 93% dessa produção “doméstica” vêm de fontes renováveis e sustentáveis.

Esses dados constam do Balanço Energético do Estado de São Paulo 2015, publicação anual da Secretaria da Energia lançada no dia 15. O levantamento tem 267 páginas, com versões em português e inglês, e está disponível para cópia ou consulta on-line no site da pasta (ver serviço).

O documento é destinado aos setores público e privado e é obra de referência em estudos de planejamento energético, busca de novas tecnologias, aumento de eficiência energética e preservação ambiental. O conjunto de números, tabelas e gráficos toma por base informações energéticas e socioeconômicas do território paulista relativas ao ano passado e faz comparações de números obtidos desde 2005. O estudo também traz séries históricas relacionadas ao tema energia, com acompanhamento iniciado em 1980.

Biomassa

Responsável pela publicação e assistente executivo da secretaria, o físico Reinaldo Almança destaca uma tendência gradual e progressiva no Estado de usar mais fontes limpas em substituição às poluentes, que trazem prejuízos à qualidade de vida da população. Como exemplo, cita o reaproveitamento da biomassa na cogeração de energia pelos setores sucroalcooleiro e de papel e celulose.

Biomassa é toda matéria-prima de origem animal ou vegetal com potencial para produzir combustíveis. No Estado, as usinas produtoras de açúcar e etanol queimam em seu próprio parque industrial a palha e o bagaço de cana restantes da produção para obter vapor e eletricidade. Na época da safra da cana, de abril a novembro, o reaproveitamento desses insumos torna a usina autossuficiente em eletricidade em regime permanente, 24 horas por dia, sete dias por semana – e os excedentes podem ser distribuídos para a rede elétrica.

A cadeia produtiva de papel e celulose obtém 65% da energia que utiliza por meio de biomassa, com a queima de duas matérias-primas decorrentes de seu processo industrial. A primeira é o cavaco de madeira (sobras de troncos, galhos e raízes de eucalipto e de outros vegetais usados na sua produção).

A segunda biomassa utilizada é a lixívia, também conhecida como licor negro. A substância tem potencial contaminante para o solo e a água e, quando não reaproveitada, requer descarte ambiental adequado. Usada no cozimento da madeira para extração da celulose, sua composição inclui hidróxido de sódio, material orgânico, chumbo, enxofre, hipoclorito de cálcio, sulfeto de sódio e outros metais utilizados na fabricação de papel.

Vento e sol

Almança comenta que o potencial hídrico paulista foi aproveitado em quase sua totalidade na construção de barragens e hidrelétricas. Atualmente, o recurso só poderia ser explorado pelas chamadas Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), que possuem potência e tamanho relativamente reduzidos. Para o futuro, aposta na iniciativa privada para explorar outras fontes renováveis e “verdes”, como a energia eólica e a energia solar.

Ele explica que, na maioria dos locais, a cem metros de altura do solo, a velocidade do vento é capaz de impulsionar os aerogeradores eólicos para transformar a força mecânica em eletricidade. “A meta futura é apostar e investir em novas tecnologias e projetos relacionados”, prevê.

Com relação à energia solar, os desafios são outros. Embora a oferta seja abundante em diversas regiões do Estado e do País, a eficiência energética obtida ainda é baixa, de apenas 14%. Nas 24 horas do dia, em apenas seis há intensidade de luz suficiente para sua geração.

Essa fonte renovável é aproveitada de duas maneiras distintas. A térmica, que tem baixo custo e costuma ser adotada em casas e condomínios. Consiste em um coletor instalado no telhado, posicionado de modo a receber, como se fosse uma estufa, a maior incidência possível dos raios solares. Em seu interior, uma serpentina encapsulada aquece a água que, armazenada em pequenos tanques, abastece chuveiros e torneiras, com vantagens econômicas e ambientais.

Painel fotovoltaico

No segundo uso da energia solar há geração elétrica propriamente dita, por meio de painel fotovoltaico. O sistema consiste de uma placa com diversas células feitas de uma liga metálica composta de silício e boro em sua superfície. Ao entrar em contato com as células fotovoltaicas, a radiação emitida pelo sol (fótons) produz um pulso elétrico a partir do atrito e interação entre elas. A soma desses pulsos gera eletricidade.

O físico comenta que os painéis fotovoltaicos ainda têm custo elevado, em comparação com o de outras fontes de energia. Sublinha, entretanto, o potencial de evolução científica dessa tecnologia para aumentar a eficiência energética e baratear o preço dos componentes. “Tal raciocínio também vale para os aerogeradores e a turbina usada na energia eólica, pois há uma corrida mundial por alternativas renováveis e não poluentes”, observa.

Futuro

Lançado em 2013, o Plano Paulista de Energia é uma aposta do Estado para chegar ao ano de 2020 com uma matriz energética baseada em 69% de energia obtida por meio de processos limpos. O planejamento prevê também meios de preservar o crescimento econômico e reduzir impactos ambientais nas áreas de transportes e processos industriais.

O Plano Paulista de Energia congrega grupos temáticos com mais de 70 entidades, incluindo setor privado e órgãos governamentais, como universidades, institutos de pesquisa, secretarias estaduais e empresas mistas. É uma continuidade de diversas ações estatais de caráter “verde” contidas em decretos estaduais publicados desde 2011. Assim como o Balanço Energético, seu conteúdo completo também está disponível no site da secretaria (ver serviço).

As estratégias do plano incluem iniciativas dos três níveis governamentais (municipal, estadual e federal). Pretendem diminuir o uso de combustíveis fósseis (petróleo, especialmente) e articular projetos em consonância com a Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC) – Decreto nº 55.947, de 24-6-2010. A meta é reduzir 20% das emissões de gás carbônico no território paulista até o fim da segunda década do século 21.


Propostas do Plano Paulista de Energia 2020

  • Uso de combustíveis renováveis (etanol, biodiesel e eletricidade) nas frotas de ônibus da capital e regiões metropolitanas paulistas
  • Fortalecer e ampliar o uso de modais hidroviário, ferroviário e dutoviário
  • Ampliar estudos de planejamento da logística do transporte, de modo a evitar viagens sem carga
  • Favorecer o desenvolvimento do etanol de segunda geração
  • Simplificar licenciamentos ambientais
  • Ampliar a cogeração e climatização baseada em gás natural na indústria, comércio e serviços
  • Criar linhas públicas de crédito para projetos de eficiência energética
  • Estimular investimentos das concessionárias de ferrovias no Estado

Legislação para as energias limpas

  • Decreto nº 56.850, de 18-3-2011 – Reduz para 12% da carga tributária incidente na saída de biodiesel (B-100) resultante da industrialização de grãos, sebo bovino, sementes ou palma.
  • Decreto nº 56.873, de 23-3-2011 – Define benefícios relativos à aquisição de bens para a fabricação de células fotovoltaicas (módulos ou painéis), por meio da suspensão do imposto de importação de bens sem similar nacional.
  • Decreto nº 56.874, de 23-3-2011 – Estabelece o diferimento do ICMS destinado a fabricante de células fotovoltaicas e redução para 7% da carga tributária incidente sobre a produção resultante.
  • Decreto nº 57.042, de 6-6-2011 – Desonera aquisições de bens destinados à produção de energia elétrica a partir da biomassa e de resíduos de cana-de-açúcar.
  • Decreto nº 57.145, de 18-7-2011 – Estabelece o diferimento para matérias-primas utilizadas na fabricação de aerogeradores para fins de bombeamento de água, moagem de grãos e geração de energia eólica.
  • Decreto nº 57.142, de 18-7-2011 – Estabelece a suspensão do ICMS incidente na importação de mercadorias indicadas no Decreto nº 57.145/2011, quando a importação for efetuada diretamente pelo fabricante.
  • Decreto nº 58.977, de 18-3-2013 – Dá incentivo tributário para o transporte de etanol hidratado e etanol anidro na operacionalização de transporte dutoviário.
  • Decreto nº 59.039, de 3-4-2013 – Garante incentivo tributário do rotor para geradores de energia elétrica, utilizados na fabricação de aquecedores solares de água e no tratamento e disposição de resíduos não perigosos.
  • Decreto nº 60.001, de 20-12-2013 – Reduz a base de cálculo do imposto incidente no biogás e biometano para 12%.
  • Decreto nº 60.297, de 27-3-2014 – Suspende o imposto incidente na importação de bens sem similar nacional para a geração de energia elétrica ou térmica a partir de biomassa resultante de resíduos da cana-de-açúcar.
  • Decreto nº 60.298, de 27-3-2014 – Suspende o imposto incidente na importação de bens sem similar nacional e creditamento integral do mesmo, para geração de energia elétrica ou térmica a partir de gás (inclusive biogás ou biometano), fonte solar fotovoltaica e resíduos sólidos urbanos.
     

Serviço

Secretaria de Energia
Balanço Energético do Estado de São Paulo 2015
Plano Paulista de Energia 2020

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 29/09/2015. (PDF)