Pesquisa da Cena-USP em Mato Grosso e Rondônia estuda causas do efeito estufa

Trabalho relaciona as emissões de gases com a expansão da atividade agropecuária, queimadas e desmatamento

Uma equipe multidisciplinar do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena-USP) iniciou, em maio, um estudo para medir a concentração dos principais gases causadores do efeito estufa nos Estados de Mato Grosso e Rondônia. Ligado à Universidade de São Paulo, esse trabalho do Cena tem a coordenação do pesquisador Carlos Cerri e término previsto para 2010.

A pesquisa foi dividida entre dois grupos de trabalho e está avaliando, na região, o impacto do desmatamento, das queimadas e o avanço da agricultura nos últimos 40 anos. A verificação das emissões é feita em pontos especiais de coleta, distribuídos em uma área de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, porção equivalente ao dobro do território da França.

Efeito estufa

No retorno da primeira expedição para a sede do Cena, localizada junto ao campus da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), em Piracicaba, o professor Cerri explicou que um dos objetivos do trabalho é mapear a vegetação nativa. A expedição percorreu 15 mil quilômetros e avaliou 22 municípios em 45 dias, para medir as quantidades de carbono e nitrogênio emitidas na atmosfera por meio de atividades humanas, como a pecuária e a agricultura.

A metodologia da pesquisa emprega diversas bases obtidas nas prefeituras e mapas da superfície terrestre geradas por satélites da Agência Espacial Norte-americana (Nasa). Quando for finalizado, esse levantamento auxiliará a formulação e revisão de políticas públicas ligadas ao meio ambiente, ocupação do solo e definição de fronteiras agrícolas.

O professor Cerri é um dos pesquisadores brasileiros que contribuíram para a elaboração do Protocolo de Kyoto. O tratado internacional, redigido em 1997, pretende reduzir, com o passar dos anos, as emissões de gases que ampliam o efeito estufa na atmosfera terrestre, por meio do aumento da radiação infravermelha da base da atmosfera.

“Os números sobre as emissões na região permitirão às comunidades científicas brasileira e internacional aprofundar estudos sobre o efeito estufa”, explica o cientista. Segundo ele, 66% das emissões globais de gases responsáveis pelo fenômeno natural provêm da queima de combustíveis minerais (petróleo, carvão mineral e gás natural). O restante é relacionado à agricultura (20%) e ao desmatamento (14%).

O efeito estufa ocorre em uma faixa determinada da atmosfera, quando parte da radiação solar, refletida pela superfície terrestre, é absorvida pelos gases presentes na atmosfera. Os principais gases envolvidos no processo natural são o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4), o óxido nitroso (N2O) e os clorofluorcarbonos (CFCs).

Os gases absorvem uma porção da radiação infravermelha emitida pela superfície terrestre e irradiam partes dessa energia de volta para a superfície. Como consequência, o calor é retido e concentrado, devido à superfície receber quase o dobro de energia da atmosfera do que a proveniente do Sol.

Importância vital

“O efeito estufa é fundamental para a manutenção da vida na Terra. Eleva a temperatura em 30ºC na superfície do planeta e a torna amena e adequada à sobrevivência da biodiversidade e dos ecossistemas. Porém, traz riscos quando é acelerado pela ação humana. Pode desestabilizar o equilíbrio energético no planeta e contribuir para o aquecimento global”, explica o professor Cerri.

Segundo o Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC), estabelecido em 1988 pela ONU e pela Organização Meteorológica Mundial, a maior parte desse aquecimento, observado durante os últimos 50 anos, se deve muito provavelmente a um aumento dos gases do efeito estufa.

Grande parte da comunidade científica internacional concorda com a tese. Aponta como fatores o aumento da poluição provocada pela queima de combustíveis minerais, o maior consumo energético e o uso intensivo de águas subterrâneas e do solo para a agricultura.

Verdade inconveniente

A industrialização dos três últimos séculos aumentou a concentração de gases do efeito estufa. O efeito sentido foi a elevação, com o passar dos anos, das temperaturas médias mundiais, o chamado aquecimento global. Se a tendência não for revertida, há a possibilidade de seca, desertificação, inundações, furacões, proliferação de doenças e extinção de espécies. Outro risco é o derretimento das calotas polares e geleiras, pois o aumento do nível das águas do mar ameaça áreas litorâneas e ilhas densamente povoadas.

A concentração de emissões no Hemisfério Norte é ligada à industrialização e ao grande consumo de combustíveis minerais. na porção Sul, os riscos incluem a expansão das fronteiras agrícolas, um dos principais pontos de interesse do estudo do Cena nas regiões Norte e Centro-Oeste. com relação ao Brasil, a emissão de gases é inversa à situação global: apenas 25% provém da queima de combustíveis fosseis.

“Cerca de 75% do dióxido de carbono que o País emite na atmosfera é derivado de práticas agrícolas. Se desconsiderarmos o desmatamento, o Brasil cai para a 17ª posição na classificação mundial dos emissores de gases do efeito estufa”, esclarece.

Segundo Cerri, há opções para reduzir a concentração atmosférica dos gases do efeito estufa, como estimular reflorestamentos e empregar a técnica do plantio direto na agricultura. “Em vez de usar implementos que revolvem a terra, essa metodologia aumenta a fixação do carbono no solo. É preciso, ainda, estimular a produção e o consumo dos biocombustíveis, para diminuir as emissões desses gases”, finaliza.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 17/11/2007. (PDF)

Bagaço da cana-de-açúcar pode ser o futuro energético do País, diz estudo

Pesquisa que está sendo desenvolvida na Esalq pretende dobrar em cinco anos a produção de açúcar e álcool sem aumentar áreas de plantio

Um estudo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) avançou mais um passo na corrida pela hidrólise enzimática (ver glossário) com o bagaço de cana. Esse processo biológico é objeto de interesse de diversos centros de pesquisa no Brasil e visa a permitir nova fermentação da matéria-prima vegetal, após a moagem da cana na usina para produzir açúcar e álcool.

A pesquisa foi iniciada há três anos em Piracicaba. Consiste em introduzir fungos da classe dos basidiomicetos para fazer a hidrólise enzimática e reaproveitar a celulose contida no bagaço. Segundo a professora Sandra Cruz, coordenadora do estudo, os resultados obtidos no laboratório têm sido promissores. A experiência está em fase inicial, mas pretende dobrar a produtividade da cana sem aumentar as áreas de plantio, quando for concluída.

Abundante e barato

Da moagem de uma tonelada de cana, a usina produz, em média, 153 quilos de melaço (açúcar e etanol), 165 quilos de palha e 276 quilos de bagaço. Essa matéria-prima é abundante, de baixo custo e está disponível em grandes quantidades no País. Em comparação com outras biomassas existentes no Brasil, como a soja e o dendê, o bagaço de cana é o mais rico em celulose e essa propriedade desperta grande interesse científico e empresarial.

Desde a década de 70, as usinas brasileiras queimam o bagaço para gerar eletricidade. A energia obtida impulsiona as turbinas e o complexo industrial da propriedade. Torna, assim, a usina autossuficiente em energia na época da safra (abril a novembro), período que coincide com o de baixos níveis de água nos reservatórios das hidrelétricas.

Técnica multiúso

A pesquisadora  Sandra é química e iniciou em 2004 o estudo com os fungos. Hoje, coordena o grupo formado por dois professores do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Esalq, uma pesquisadora do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena-USP), alunos de mestrado e estagiários de iniciação científica.

A ideia surgiu de um projeto paralelo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp), que tinha o objetivo de clarear, com os fungos, o melaço – matéria-prima rica em açúcar.

“A hidrólise enzimática pode ampliar o uso do bagaço sem prejudicar a geração de eletricidade”, avalia Sandra. “Essa matéria-prima é usada para produzir ração animal. No futuro, irá atender aos diversos segmentos industriais, como polímeros (plásticos especiais) e à alimentação humana”, prevê.

Sandra explica que um desdobramento do estudo será estender a técnica aplicada ao bagaço para outras biomassas. Outro efeito possível será retardar o avanço do canavial e outras culturas ligadas aos biocombustíveis sobre áreas de preservação – Pantanal, cerrado e região amazônica.


Processo de hidrólise

A pesquisadora Sandra observa que a barreira tecnológica da hidrólise já foi vencida em alguns laboratórios de empresas brasileiras e estrangeiras. A técnica emprega enzimas produzidas nos Estados Unidos e na Dinamarca, principal produtora. Todavia, o custo de importação encarece e dificulta sua disseminação no Brasil.

“Seguimos um caminho paralelo ao já obtido. Nos dois processos, o fungo sintetiza as enzimas. No entanto, em vez de usar o material importado, introduzimos no bagaço colônias inteiras dos micro-organismos, produzidos na Esalq. A partir daí, um processo biológico dos fungos degrada a lignina e libera as moléculas de glicose existentes”, explica Sandra.

“Os basidiomicetos são fungos que têm por característica degradar matéria-prima vegetal. Para evitar que consumam todo o açúcar disponível, são mortos com elevação da temperatura (calor). Possibilita-se, então, uma nova fermentação do bagaço, que também já está esterilizado, sem riscos ambientais. Outra opção é queimá-lo novamente na caldeira para gerar eletricidade”, observa.

Parceiros

“A perspectiva é repassar às usinas, em até cinco anos, a tecnologia. O primeiro desafio é reduzir o período de 20 dias da hidrólise (contato dos fungos com o bagaço). Depois, será preciso patentear a metodologia e finalizar os testes em escala laboratorial, piloto e industrial”, explica.

“A meta agora é encontrar um parceiro privado para investir cerca de R$ 300 mil em equipamentos e bolsas de estudo para os alunos. Esse valor é baixo ante as possibilidades da descoberta. Interessados em colaborar devem procurar a Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq) ou a Fapesp”, anuncia.


Glossário
(Fonte: Wikipedia)

Hidrólise enzimática do bagaço – Reação microbiana que permite a liberação dos açúcares utilizados na fermentação

Biomassa – Toda matéria-prima animal ou vegetal renovável que pode ser aproveitada como matriz energética (combustível). Exemplo: cana, lenha, gordura bovina, soja, milho, mamona, dendê, girassol, canola, pinhão-manso, madeiras e resíduos orgânicos e de indústrias agrícola e alimentícia.

Lignina – Polímero tridimensional sem forma encontrado nas plantas terrestres, associado à parede celular. Sua função é conferir rigidez, impermeabilidade e resistência a ataques microbiológicos e mecânicos aos tecidos vegetais.

Glicose – As células usam este carboidrato como fonte de energia. É um dos principais produtos da fotossíntese.

Basidiomicetos – Fungos que têm por característica degradar matéria-prima vegetal.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 10/11/2007. (PDF)

Arquivo do Estado coloca na Internet um pedaço da história: 20 anos de Última Hora

Serviço on-line gratuito traz imagens em tamanho original de edições do jornal Última Hora publicadas entre 1951 e 1971

O Arquivo Público do Estado de São Paulo avançou mais uma etapa na preservação da memória nacional. Criou, no início de outubro, em parceria com a AMD, fabricante de processadores para computador, uma página exclusiva para a divulgação on-line e gratuita de imagens das edições cariocas do jornal Última Hora, no período compreendido entre 1951 e 1971.

O projeto é dividido em duas etapas. A primeira, que deverá estar finalizada em março, prevê a digitalização de 36 mil páginas (60 meses) do jornal. A segunda terminará no final de 2008 e pretende homenagear o 200º aniversário da imprensa nacional, história iniciada em 1808 com a criação do Correio Braziliense por Hipólito José da Costa.

Segundo Lauro Ávila Pereira, diretor do Departamento de Preservação e Difusão da Memória do Arquivo Público do Estado, a iniciativa resgata parte da memória do jornalismo no País e facilita o acesso ao acervo para pesquisadores e interessados.

A coleção traz fatos relevantes da história brasileira e mundial das décadas de 1950 e 1960: o suicídio de Getúlio Vargas (1954), a inauguração de Brasília (1960), a renúncia de Jânio Quadros (1961), o bi e o tricampeonato da seleção de futebol (1962 e 1970), o assassinato do presidente norte-americano John Kennedy (1963) o Golpe Militar (1964).

Reprodução na íntegra

No momento, Lauro explica que estão sendo colocadas on-line reproduções das capas e miolos das edições em tamanho original, com 47,6 por 67,1 centímetros. A etapa seguinte será conseguir completar, com outras instituições, as edições do jornal que estiverem faltando.

“Oferecer grátis no site o conteúdo integral de cada edição é uma tendência iniciada em setembro pelo New York Times”, explica Carlos Bacellar, coordenador do Arquivo Público do Estado.

“Há também material inédito para os pesquisadores. São negativos fotográficos contendo imagens não aproveitadas pelos editores do jornal. Porém, somente entrarão no site quando for resolvida a questão dos direitos autorais com os herdeiros dos fotógrafos, uma vez que não são de domínio público”, explica Carlos.

Respeito às fontes

Alessandra Cruz, historiadora do Arquivo Público do Estado, coordena o processo de produção das páginas. Segundo ela, um dos maiores desafios encontrados é reconstituir e tratar os originais deteriorados, antes de microfilmar e digitalizar as edições.

“A ação do tempo deixou suas marcas no material e em muitas datas, eram publicadas mais de uma edição. O critério adotado é usar sempre a edição que estiver em melhor estado de conservação, sem, contudo, modificar os originais e preservar até mesmo o tom amarelado. Assim, quem conferir a edição com a chegada do homem à Lua, terá a impressão de estar folheando um jornal de  julho de 1969, sem retoques no Photoshop”, observa Alessandra.

Inovador e revolucionário

O acervo carioca da Última Hora foi adquirido em 1989 pela Secretaria Estadual da Cultura junto a Pinky Wainer, filha de Samuel Wainer, fundador do periódico. Antes da vinda em definitivo para o Arquivo Público do Estado, a coleção estava guardada em um sítio da família.

O conjunto contempla 246 volumes encadernados das edições paulista e carioca, 160 mil cópias fotográficas, duas mil caricaturas, 600 mil negativos, 6 números da revista Diretrizes e 555 rolos de microfilmes do jornal.

O matutino é considerado um marco histórico na imprensa brasileira. Inovador e com apelo popular, a Última Hora ampliou o uso de cor, ilustrações e fotos na diagramação das páginas. As reportagens priorizavam política, esporte, rádio, comportamento e temas policiais. O leitor dispunha também de colunas e crônicas assinadas por Nélson Rodrigues, Chacrinha, Stanislaw Ponte Preta, Jô Soares, Ignácio de Loyola Brandão e Nelson Motta.

Nos anos 1950 e 1960 era comum a imprensa apoiar abertamente políticos e partidos. A Última Hora surgiu no Rio de Janeiro em 1951 e foi o único grande jornal do País a opor-se desde o início à ditadura de 1964. Circulou até 1971 e alinhou-se com os presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart. Em 1952 foi criada a versão paulista do jornal – depois foram lançadas edições regionais em cidades como Campinas e Niterói e em capitais como Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Recife.


Parceria defende a memória

Carlos Bacellar conta que a parceria com a AMD nasceu a partir do interesse da empresa em investir em cultura. O objetivo era associar o nome da organização ao do órgão criado em 1721 e atualmente ligado à Casa Civil. A fabricante norte-americana de chips sugeriu participar de um projeto ligado ao tema imagem digital.

“Entre as opções apresentadas, a escolha foi o acervo da Última Hora, devido à abrangência nacional do periódico e à sua importância na história do jornalismo brasileiro”, explicou Bacellar.

O acordo firmado entre as instituições envolve o trabalho de 20 profissionais. A parte operacional, do investimento em produção, programação e armazenamento de informações do site ficou a cargo da empresa, que também cedeu computadores e pessoal. O restante ficou com o Arquivo Público do Estado.

“É uma grande satisfação empregar nossa tecnologia para preservar a memória brasileira e facilitar o acesso da população a um conteúdo importante” explica José Scodiero, vice-presidente de marketing da AMD para a América Latina.

Serviço

Última Hora digitalizado

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 02/11/2007. (PDF)