Escola indígena preserva cultura e tradição guarani em Mongaguá

Iniciativa da Educação cumpre a lei vigente e amplia qualidade de vida e inclusão social de cinco etnias

Localizada em Mongaguá, no litoral sul paulista, a aldeia Aguapeú recebeu no início de 2005 o prédio da escola solicitado ao Núcleo de Educação Indígena (NEI), da Secretaria Estadual da Educação (SEE). O edifício complementou o trabalho realizado pelos índios guaranis desde o ano 2000 e ampliou a formação cultural e educacional das crianças, jovens e adultos da comunidade.

No Estado, o Núcleo responde pela educação dos indígenas. São cinco as etnias atendidas (guarani, tupi-guarani, krenak, terena e kaingang). Este serviço atende à legislação brasileira vigente e é restrito às comunidades étnicas moradoras de reservas florestais da União.

A escola indígena reproduz o padrão arquitetônico dos guaranis e fica localizada no centro da aldeia. O estabelecimento de ensino tem professor, vice-diretor, merendeira e uma funcionária encarregada da limpeza. Há 14 alunos matriculados e atende atualmente 20 famílias guaranis (120 pessoas) da comunidade, oferecendo ensino fundamental unificado da primeira à quarta-série. A partir de 2008, terá também educação infantil.

Artesanato fino

A aldeia Aguapeú tem luz elétrica, água encanada e fica a 93 quilômetros da capital, numa área de 4,3 mil hectares preservados de Mata Atlântica. É separada do continente pelo Rio Aguapeú. O acesso é feito por barco, após desvio na Rodovia Padre Manuel da Nóbrega (SP-55).

Para se alimentar, o grupo mantém lavouras de subsistência, como mandioca, milho e banana. E pesca e caça pequenos animais como paca e tatu. A principal atividade econômica é a produção e venda de artesanato fino e tapeçaria, tarefa dividida entre os homens e mulheres guaranis.

Na aldeia são comuns uniões conjugais entre parentes. Todos têm dois nomes, um em guarani e outro em português. Porém, entre eles prevalece sempre a denominação étnica. A principal liderança é o cacique Ratende (Davi), que é casado com Jera Poty (Laurinha), a vice-diretora da escola, que por sua vez, é filha do professor da escola, Karat (Jeremias).

Ratende explica que os integrantes da comunidade têm boa saúde e qualidade de vida. Porém, antes da instalação da escola, as crianças tinham dificuldades de
inserção profissional e de integração na sociedade. “Muitos tinham dificuldade para executar tarefas simples, como ler, escrever e calcular o troco da venda dos itens de artesanato”, analisa o cacique.

Frutos da terra

A principal liderança do grupo elogia o cardápio da merenda, que é balanceado e elaborado por nutricionistas da SEE. Inclui os gêneros alimentícios encaminhados regularmente para todas as escolas do Estado e também legumes e verduras produzidas na própria reserva. “A refeição escolar é aberta para todos. Este é um fator de integração e de solidariedade, uma marca da cultura guarani”, explica.

A vice-diretora da escola Jera Poty ajuda nas aulas de Português e Matemática. Esposa do cacique, ela é uma das pioneiras da formação indígena no Estado. A educadora de 24 anos considera que com o advento e ampliação da escola com o prédio, o vocabulário das crianças nas duas línguas foi ampliado.

Segundo Jera Poty, um desafio é estimular os alunos a praticar e difundir antigas brincadeiras guaranis. “É difícil concorrer com a TV e os videogames, influências ruins para as crianças”, explica. Sobre o telefone celular, ela afirma ser muito útil e comum na aldeia. “Para expandir mais a educação indígena, precisamos agora de uma biblioteca escolar e de uma linha telefônica fixa para mantermos a comunicação diária com a SEE”, afirma.

Centro cultural

Além do conteúdo pedagógico, a escola indígena funciona também como centro cultural. Durante as aulas, são resgatadas tradições como a pintura nos corpos, danças, arte plumária e contos e mitos sobre antepassados. São também entoados cânticos em louvor a Nhanderu principal entidade religiosa dos guaranis. Estas tarefas são executadas pelo professor Karat.

“Todos os dias rezamos, dançamos e nos pintamos para celebrar uma data. Músicas como a para Tupã Miri (o filho de Deus), ensinam um rito de guerra e de defesa pessoal para meninos e meninas. Outra peculiaridade é que muitas das lições são transmitidas na mata. Toda a cultura fundamenta o currículo escolar. O aluno aprende a preservar a natureza e também a saltar, preparar armadilhas e reconhecer animais e aves. Para o futuro, ainda não escolhi qual dos estudantes será meu sucessor. Mas muitos já estão aptos”, afirma satisfeito o professor.


Cidadania e inclusão

O antropólogo Rafael Morales, do Núcleo de Educação Indígena afirma que a formação de professores indicados pelas aldeias é um grande passo de cidadania para o País. “Instituída no Estado em 1997, a educação indígena interrompeu o extermínio da cultura nativa e ampliou a qualidade de vida e o nível educacional e dos remanescentes”, afirma.

O professor de história e atendente técnico pedagógico da SEE Lenílton Barros faz coro à observação de Rafael. Ele coordena a Comissão Étnica do NEI e avalia que o caráter bilíngue e intercultural da escola indígena propicia a inclusão social das etnias remanescentes presentes no Estado.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 23/10/2007. (PDF)

Educação vai formar primeira turma de professores indígenas no ano que vem

Escola para nativos é bilíngue, intercultural e preserva tradições e cultura de cinco etnias presentes no território paulista

No mês de abril de 2008, o Estado de São Paulo dará mais um passo na ampliação da educação indígena. Será concluída na Universidade de São Paulo (USP) a formação superior de 81 professores indígenas, grupo que desde 1997 atende às 28 aldeias existentes no território paulista. A iniciativa foi organizada pela Secretaria Estadual da Educação (SEE), que repassa às crianças e aos adultos das tribos os conceitos pedagógicos relativos à primeira e à quarta séries da escola tradicional.

A educação indígena começou em 1997, com a reivindicação na secretaria dos representantes das cinco etnias (guarani, tupi-guarani, krenak, terena e kaingang) presentes em São Paulo desde a época do descobrimento do Brasil. A partir do segundo semestre de 2008, os alunos receberão noções relativas ao período da quinta à oitava séries da escola tradicional.

Diploma equivalente

O diploma emitido pela escola indígena tem o mesmo valor legal que o obtido nos demais estabelecimentos de ensino do Estado. A alfabetização é bilíngue, em português e na língua materna de cada etnia remanescente. A missão de lecionar é exclusiva do índio-professor, um integrante da comunidade indicado pela própria tribo para ser docente. Sua formação pedagógica é complementada no curso superior na USP, bancado pela pasta.

A escola indígena não tem diretor. Seu papel é desempenhado pelo vice-diretor, indicado pela comunidade. Controles administrativos da escola tradicional, como as provas e a frequência nas aulas, foram todos adaptados. O currículo segue três princípios elementares e as ferramentas e tecnologias – o aprendizado dos códigos e da linguagem e das ciências humanas e da natureza. E inclui disciplinas tradicionais: Matemática, História e Geografia.

Do grupo de 81 educadores indígenas, 33 são mulheres e 48, homens. Atuam em 11 Diretorias de Ensino e aplicam programas de educação básica (ensino infantil, fundamental e médio) e de Jovens e Adultos. Durante o processo de formação, cada professor intercala três semanas lecionando na aldeia com uma estudando pedagogia na USP. Neste período, fica hospedado em hotel na capital, com despesas e estadias financiadas pela Educação.

Elo perdido

A professora Deusdith Velloso, coordenadora do Núcleo de Educação Indígena (NEI), explica que a educação indígena foi organizada sob medida e adaptada de acordo com a legislação vigente para as comunidades. Trata-se, segundo ela, do cumprimento dos artigos 231 e 232 da Constituição de 1988, regulamentados em 1996 na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e da Resolução 3 de 1999 do Conselho Nacional de Educação (CNE).

A legislação exige que o professor seja da mesma etnia que seus alunos e concede aos nativos o direito sobre o uso e a ocupação das terras. Prevê que o Estado construa escolas exclusivas para os índios, instaladas dentro das áreas federais de preservação (reservas).

Intercultural

“A proposta da escola indígena é ser intercultural. A merenda contempla os alimentos tradicionais da etnia e os prédios seguem o padrão arquitetônico de cada tribo. É um grande desafio para os professores da Faculdade de Educação da USP (FE-USP)  formar os indígenas, com trabalho inclusive de campo, nas aldeias. E também preparar, de modo adequado, os Atendentes Técnico-Pedagógicos (ATPs) das Diretorias de Ensino para coordenar o trabalho com suas lideranças, observa.

Segundo Deusdith, além da formação superior dos professores indígenas, são efetuadas a transcrição e a codificação das cinco línguas. “Há interação permanente entre a equipe da Educação e os caciques e anciões das tribos, para se resgatar e documentar a cultura original e produzir material a ser utilizado em cartilhas e dicionários. Em suma, facilitar a alfabetização na aldeia com a língua original”, explica.

“A educação indígena é multicultural. Preserva mitos antes transmitidos somente entre as gerações e amplia o conhecimento sobre a cultura nativa, em processo de destruição desde a chegada do colonizador. Resgata tradições: arte plumária, pinturas, artesanato, fabricação de armas e utensílios e técnicas de construção e manipulação de matérias-primas”, informa.

População maior

O antropólogo Rafael Morales, da Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas (Cenp), revela outro viés positivo: o crescimento das populações indígenas do Estado, fenômeno que associa ao aumento das escolas nas aldeias. “Em 1997, a população estimada era de três mil, sendo 190 crianças. Dez anos depois, com o advento dos estabelecimentos de ensino, o número saltou para quatro mil pessoas, sendo 1.350 crianças e jovens”, indica.

A professora Lydia Menezello, também participante da educação indígena, mostra o aprendizado da língua como o principal fator de entendimento e integração dos nativos na sociedade. “Antes matriculada numa escola tradicional, uma criança guarani de seis anos não entendia o português. Por isso era discriminada e isolada pelos outros estudantes. Hoje é fluente em leitura e escrita nas duas línguas”, explica.


Balanço do trabalho

No final de julho, a secretaria organizou conferência estadual sobre a educação escolar indígena na Cidade Universitária, na capital. O evento marcou o décimo aniversário da iniciativa no Estado e abordou a formação dos educadores e os novos rumos e desafios para seu aprimoramento, e a questão das minorias no País.

Participaram do encontro caciques, professores e representantes das Diretorias de Ensino e da Fundação Nacional do Índio (Funai). As principais reivindicações foram a necessidade de ampliação e construção de novas escolas, a instalação de salas de informática com acesso à internet e o fortalecimento das discussões na sociedade sobre os direitos e deveres dos indígenas.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 21/12/2007. (PDF)

Poluição atmosférica e Amazônia marcam último dia da Conferência de Bioenergia

Especialista apontou opções sustentáveis para a exploração da Região Norte sem necessidade de desmatamento e queimadas

No último dia da Conferência Nacional de Bioenergia, o geógrafo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Wanderley Messias da Costa, coordenou o painel Bioenergia e Meio Ambiente. O evento foi organizado pela USP e realizado no Hotel Maksoud Plaza, na capital, entre os dias 26 e 28 de setembro.

Especialista em Amazônia, Wanderley demonstrou opções sustentáveis para a exploração da Região Norte brasileira sem, contudo, promover mais desmatamento e queimadas, uma das causas do aquecimento global. “O caminho é reforçar a fiscalização para preservar áreas as intocadas e ocupar as já desmatadas e disciplinar o avanço da pecuária e da soja”, explica.

“Por fim, é preciso promover o desenvolvimento econômico da Região Norte. O Pará é o maior produtor de abacaxi do País e está se transformando em potência agrícola. É preciso atualizar as leis ambientais e apresentarmos novos planos sobre essa área do território nacional, com 20 milhões de habitantes, mas apresentada perante a mídia como intocada e indefesa”, analisou.

Verdades inconvenientes

Na sequência, o professor Paulo Saldiva, coordenador do Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP, observou o fato de o Hotel Maksoud Plaza, sede do evento, não possuir estacionamento para bicicletas. Foi a deixa para o comentário seguinte, ou seja, o lamento pela precariedade do transporte coletivo nas grandes cidades, a falta de ciclovias e a escolha preferencial do carro para locomoção.

Segundo Saldiva, a piora na qualidade de vida dos moradores das cidades é resultado previsível da decisão de se buscar o desenvolvimento econômico a qualquer preço. “No momento, o maior desafio é reduzir a concentração de emissões na atmosfera, uma das causas do efeito estufa. Essa é uma dificuldade que se avoluma com a expansão das frotas a diesel, automotiva e, em especial, das motos, grandes poluidoras”, constata.

Como contraponto, destacou avanços recentes: aumento do uso de combustíveis renováveis no País e a instituição, em 1997, do Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve). “Esta medida conseguiu evitar seis mil mortes na região metropolitana da capital. Embora nestes dez anos a população tenha crescido 12% e a frota de carros 70%”, comparou.

Problemas e soluções

Sobre o álcool, Saldiva afirmou ser uma alternativa, embora traga novos impactos. “Sua combustão também lança metais pesados na atmosfera e falta regulamentação específica. Porém, o principal problema são as queimadas, que contribuem para a deterioração da qualidade de vida nas cidades paulistas de Araraquara, Ribeirão Preto e Piracicaba, grandes pólos canavieiros”, afirmou.

Ao término da exposição, comentou o fato de os moradores das periferias estarem mais expostos à poluição. “No município de São Paulo circulam 8,5 mil ônibus, e os veículos mais antigos poluem mais. Quando um deles com mais de dez anos de uso deixa de rodar em uma área nobre – como o corredor da Avenida 9 de Julho – seu destino é a periferia. Assim, as emissões estão concentradas nos bairros distantes do centro, conforme indicam dados colhidos nas estações de medição da qualidade do ar da Cetesb”, explica.


Biodiesel na Amazônia

O professor Ademar Romeiro, do Instituto de Economia da Unicamp, vê no biodiesel uma alternativa para o Brasil reduzir a pressão sobre a floresta amazônica. Na sua análise, as opções incluem o cultivo em larga escala da palma (dendê), cultura perene e compatível com outras variedades, que exige preservação mínima de floresta nativa.

“A solução é o País adotar política capaz de estabelecer equilíbrio entre a agroenergia e a floresta, um caminho possível para a preservação da biodiversidade. Embora exija muitos recursos hídricos, a cana também tem potencial de cultivo compatível na região. Deve-se, contudo, evitar a monocultura e fazer o plantio em sistema de rodízio quinquenal”, indica.

“Em comparação com a última década, temos aperfeiçoado os sistemas de cultivo (plantio direto) e a seleção de variedades de cana. A progressiva mecanização da lavoura vem eliminando as queimadas. Nas usinas, há inovações que diminuem a captação e o consumo da água e aumentam a reciclagem e o reúso nas operações industriais”, informa.

“A mais antiga cultura do País, desde 1530, tem potencial para ser sustentável, inclusive no Estado de São Paulo. A meta a ser alcançada é uma certificação ambiental, um selo de qualidade capaz de abrir novos mercados para o etanol e resolver os problemas ambientais que se apresentam. Exemplo a ser considerado é o da Usina São Francisco, em Sertãozinho, baseada na agricultura orgânica”, explica.


Oportunidades para o Brasil

Finalizando o painel da tarde, Bioenergia e Indústria Automobilística no Brasil e no Mundo, o secretário-adjunto do Desenvolvimento no Estado, Carlos Pacheco, apresentou projeção indicando que em 2013 o Brasil irá produzir 4,5% do volume mundial de veículos. “Somos o oitavo produtor mundial. A tendência é subirmos dois postos”, espera.

“São Paulo é o maior mercado automotivo brasileiro e concentra a maior parte da indústria automobilística nacional. Tem a mão-de-obra mais qualificada e universidades líderes em pesquisas na área, como a Politécnica da USP, a Unicamp, a Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e a Escola de Engenharia Mauá”, observou.

Pacheco é engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Afirmou que a bioenergia é fundamental para São Paulo. “Porém, a meta é sermos um Estado cujas soluções energéticas sejam sustentáveis, capazes de oferecer soluções globais para o mundo. E não exportar somente álcool, mas máquinas, serviços, royalties e tecnologia”, finalizou.


2006 – Os dez maiores produtores de óleos vegetais para biodiesel
1 Malásia 14,5
2 Indonésia 7,6
3 Argentina 5,3
4 USA 3,2
5 Brasil 2,5
6 Holanda 2,5
7 Alemanha 2
8 Filipinas 1,3
9 Bélgica 1,2
10 Espanha 1

Fonte: Associação Brasileira das Indústrias de Biodiesel


2006 – Matriz energética mundial e nacional (em %)
Renovável Não-renovável
Brasil 45 55
Mundo 14 86

Fonte: Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI)

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 09/10/2007. (PDF)